18/10/2013
Ano 16 - Número 862


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



O País
 

Pedro Franco - CooJornal

O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido.

Devia o autor antes de O país ter colocado aspas, só que teria dado pista de que o trecho não era dele. Ainda que pelo ótimo estilo todos veriam que o escrito não é meu. O tema é atual? Parece ser, principalmente depois que um deputado preso, por delito grave, teve seu mandato mantido por seus pares e impares neste agosto de 2013, em seção secreta, pois com medo das urnas o voto errado não tem pai. Outros e outros exemplos poderiam ser dados e recorrendo às bases de todas as nuances políticas do País. Então o texto ao menos parece recente e não é. O que é um grande autor? É também aquele que seus escritos varam os séculos e o acima transcrito e o “copy desk” vai deixar, por favor, os equívocos ortográficos intatos, são do século XIX. Para ser mais exato, de 1871, tendo saído em “As Farpas”, publicação que dois autores importantes em letras portuguesas mantinham. Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, sendo, logo se vê, o texto do primeiro. Além de magnífico escritor, Mestre Eça tinha coragem, haja vista que falou do Padre Amaro e da Igreja, dos calores familiares provocados pelo Primo Basílio, de incesto em “Os Maias”, da decadência da aristocracia portuguesa, em A ilustre casa dos Ramires, do comércio e sua ética canhestra em Alves & Cia, enfim indo fundo e com propriedade, ainda que com merecidas tintas fortes. E deixou nosso Brasil quietinho? Não se pense que Eça era condescendente com o Brasil e nosso Dom Pedro II sofreu com a ilustre pena portuguesa, quando da viagem do Imperador à Europa. Veja-se a seguinte transcrição: “Pedro da Mala”: "Falemos da mala deste príncipe ilustre! Ela deixa na Europa uma lenda soberba. Durante meses, viu-o o Velho Mundo absorto sulcar os mares, atravessar as capitais, medir os monumentos, costear os montes, visitar os Reis, ensinar os sábios – com a sua mala na mão! Que continha ela? Tal se nos afigura a verdade – a mala não guardava nada! A mala era uma insígnia. Como a coroa é o sinal da sua realeza no Brasil, a mala era o sinal da sua democracia na Europa. A mala formava o seu cetro de viagem – como o perpétuo chapéu baixo constitui a sua coroa de caminho de ferro." O trecho foi tirado de crônica sobre Dom Pedro II, publicada em 1872, ainda no periódico “As Farpas”. Vale contar fato hilário ocorrido em Pernambuco, Goiana, pequena cidade do interior do estado em função das críticas de Eça ao Brasil. Seu efeito foi maior lá e na defesa dos brasileiros contra as julgadas ofensas ao Imperador e ao País. Alguns moradores de Goiana decidiram vingar a honra nacional com sangue. Feridos pelas “As Farpas” saíram às ruas, munidos de "varas de quiri e pedaços de cipó-pau", como registram os jornais do período e surraram todos os lusitanos que encontraram pela frente.

Termino com comentário de Eça sobre seus patrícios e nós brasileiros: "Nós somos modestamente ridiculitos, eles são à larga ridiculões.” Será?


(18 de outubro/2013)
CooJornal nº 862



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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