27/09/2013
Ano 16 - Número 859


 

ARQUIVO
PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



ANINHA E O VESTIBULAR
 

Pedro Franco - CooJornal

Após uma ano de prazerosa colaboração no Rio Total Coojornal, julgando o assunto ainda interessante, fui digitalizar o conto crônica, pois ainda que antigo, pois está no livro "ELAS" de 1981, mostra minha preocupação com o assunto vestibular, que ocorre no início da vida adulta de cada um e que nem sempre familiares e amigos sabem ajudar, por excesso de interesse, ou mesmo escassez. Aninha pois é apenas exemplo. E não é com medidas demagógicas, ou eleitoreiras, que vamos ajudar aos jovens nesta muito importante fase de suas vidas.

Magrinha. Nem feia, nem bonita. Pernas finas. Óculos. 20 para 21 anos. Cansada e triste. Mais ainda quando passa pelo Hospital Gaffrée e Guinle da UNI-RIO, perto de sua casa, ao ir para o curso Vestibular. Já fez dois concursos e foi reprovada. Estuda constantemente para o terceiro. Não pensa muito, quando se depara com o prédio amarelado do Gaffrée. Sente, vagamente, má impressão, desgosto impreciso e segue para o ponto do ônibus Quase não sai, diverte-se pouco. Risos raros, apenas sorrisos Tem uma finalidade: entrar para a Medicina. Por vocação. Talvez. O teste vocacional, entre outras, apontou a Medicina. A avó, morta, sempre quis ter um neto médico. E a profissão é boa, dá respeito. Pediatria talvez. Um bom casamento, quem sabe! E, principalmente, a mãe quer. A mãe magra, enervada, trabalhadeira, zumbidoura. O pai fala pouco, pois está sempre cansado. Às vezes reclama das duas reprovações e do preço do curso. Física, Química, Biologia, Matemática, Português, História, Geografia, OSPB e Inglês. Qualidades fisiológicas do som. Ciclopentanoperidrofenantreno. Ciclo de Krebs Urupês. "To be or not to be". Todos os dias estuda, até à noite. Às vezes, liga a TV, mas logo dorme, esgotada,  triste, sem acabar de ver "Coração Alado".

Área médica, mais de 17.000 concorrentes. Ficou nervosa, sentiu-se enjoada, as mãos geladas, tonta. Inutilizou até o terceiro cartão. Saiu pálida, trêmula, chorando no calorão de janeiro. Várias colegas, mais atrasadas, passaram. Ela não. "— Eu acho que você é burra, menina!"

No ano seguinte, levaram-na a um médico do Instituto, que receitou ácido glutâmico e um tranquilizante, para as vésperas da prova. Esqueceu de medicar o ambiente. Estudou tudo de novo. Repetiu tudo. Continuou. Reestudou para o segundo vestibular. Falta um mês, dez dias, três, dois, é amanhã. Mais calmantes. Despertador às cinco e meia. Mãe excitada, lembrando Machado de Assis, Carolina. "Calma, calma,  menina.". Azafamada. Zum-zum de espera na UERJ. Gente, aparentando calma, aflita, risos forçados, bravatas. Raros de olhos vermelhos. Roupas descontraídas. Fiscais. Calor de janeiro. Espera. Mãos suando, frias, corpo escaldando, cabeça estalando. Prove na mão. Português-lnglês. Visão embaralhada. Náuseas. Minha Santa Therezinha. Muitos tinham promessas também. Como sempre, rendeu pouco. Depois, acertou quase tudo, no Curso. Assim, sucessivamente e cada dia pior. Comprou o jornal, de madrugada, tremendo, procurou um número. Não  o encontrou.

— Você não tem jeito, Aninha! Ficará sem sair um mês.

O pai deixou de lhe falar. Emagreceu mais ainda.

Agora, 20 para 21 anos. Não lia Hermann Hesse, nem Cortázar, nem Fernando Pessoa. Não ouvia os Rolling Stones, nem Roberto Carlos, nem Chico. Não pensava em artistas, em namoros ou pílulas. Poucas roupas e vaidades. Preparava-se para o
terceiro vestibular. O pai era pobre, funcionário autárquico. Precisava acalmar-se. Quem sabe agora?

Perninhas finas, andando pela Mariz e Barros, lendo e relendo "Na Grande Área". "Armando Nogueira está de novo na moda", dissera a mãe. "Leia tudo e decore", repita sempre. "Quem desceu primeiro na lua?", disparava pela manhã, no café. Preocupada, lia e lia, mesmo quando não gostava. Futebol. As pernas do Sócrates. Atravessar para apanhar o ônibus. O Gafrée amarelo, de bela arquitetura. Se fosse com a cor da Pontifícia de Petrópolis! Faltam dois meses para o vestibular. A bomba de sódio.. O grito do velho, na calçada, o olhar apavorado do acadêmico barbudo, que mastigava um sanduíche, em pé, no bar da esquina. O ruído do ônibus da C.T.C., tentando frear. As pernas finas riscaram o ar. Um último olhar ao Gaffrée, amarelo ainda, mas já desfocalizado, pois haviam-lhe caído os óculos, alcançados depois pelos pneus traseiros.


(27 de setembro/2013)
CooJornal nº 859



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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