19/07/2013
Ano 16 - Número 849


 

ARQUIVO
PEDRO FRANCO

 


 

  Follow RevistaRIOTOTAL on Twitter

Pedro Franco



Braguinha

Pedro Franco - CooJornal

Todas as famílias têm casos antigos, passados de uma geração à outra. É graça para ser contada, não escrita e lida, tenho total certeza. São casos repetidos, recontados várias vezes e o neto, em tarde de chuva, quando não tinha nada que fazer, pedia à avó para contar os casos do Braguinha. E a avó contava e recontava. A avó morreu e noutro dia o neto, que já é agora pai, lembrou-se do Braguinha, que não conheceu, como também não o conheci, eu que sou filho de quem contava as histórias do Braguinha. Mamãe falava e ria. Ficaram lembranças incompletas, pois não sei qual a verdadeira relação do Braguinha com a família, que àquela fase da vida, com seis filhos pequenos, mudara-se para Paquetá pelo custo de vida mais barato. Braguinha aparecia na ilha pela primeira barca. Que me lembre, era a barca que saíra do Cais Pharoux às sete. Sei que Braguinha era velho. Pelos meus cálculos estes fatos ocorreram entre 1915 e 1925. Que idade teria, não sei. Parece que não tinha profissão, ou família e vivia indo a casas conhecidas. Tinha escala semanal. Chegar cedo, passar o dia, fazer as refeições, dormir e sair no dia seguinte. Por quê? Coloco o porquê e não sei a resposta e a história ficará cheia de perguntas sem respostas. Mamãe não está aqui para dar explicações e só poderei contar o que eu e meu filho nos lembramos. Pelo jeito Braguinha era meio retardado e, não era considerada maldade brincar com as tolices dele, desde que o alimentassem. Não havia o politicamente correto, levado aos exageros hoje. Braguinha era cheio de calos nos pés, andava pisando nos calcanhares e tinha os sapatos cortados na frente para não sentir dor. Parece-me que ter calos estava mais na moda àquela época. Antes de se ir, depois de comer e dormir, distrair a família com as mesmas patranhas, recebia uma moeda do meu avô. E como distraía a família? Lembre-se que não havia televisão e o rádio devia engatinhar. Rádios de galena. Distraía a família, respondendo a perguntas como: Você fala francês, Braguinha? "Como ti pança papança." E inglês? "Do you speak english barrigudo." Dizia que uma tia, mais moça que minha mãe, era sua "novia". A graça era a tia Nadyr ficar zangada. Braguinha pedia um beijo. Titia então saía da sala muito aborrecida. "Landi lanjo pampudo." E a hora, em que a barca deixaria Paquetá, ia chegando e meu avô, que era um santo homem, ainda que cizaneiro, termo aqui usado com o intuito de dizer implicante, espirituoso, oportuno, brincalhão, nada de lhe dar a habitual moeda! Braguinha não ousava pedir. Ficava aflito e andava de um lado para outro e todos prendiam o riso. Hora de ir-se, pois era dia de estar em outra casa, onde até lhe cortavam as unhas. Unhas dos pés. Pouco antes da hora da barca sair, meu avô soltava a tal moeda e lá se ia o Braguinha, suponho que de terno, com seu andar de calcanhares, sua graça de tolo. Para voltar no mesmo dia da semana seguinte e com os mesmos hábitos, as mesmas graças, as mesmas necessidades. Provavelmente chapéu, andando sobre os calcanhares, nas ruas de terra da linda Paquetá, os "flamboyants" e os passarinhos. O café fora tomado na brisa da manhã, para apanhar a primeira barca da Cantareira para o Rio. Quem era o Braguinha, por que ficara assim, por que minha família o recebia e que fim levou? Acharam alguma graça? Temo que não, mas eu ria destas histórias quando pequeno, meu filho também, quando minha mãe, que o conhecera Braguinha contava-nos seus casos. Rimos, eu, minha mulher e meu filho, quando nos lembramos das tiradas do Braguinha. Mamãe contava e ria. Por que você ficou assim, Braguinha? "Leite envenenado das amas." Então ele sabia que ficou assim. Assim como? Quem foi Braguinha? Não sei. Rimos de suas histórias, um pouco sobre o triste, meias sobre o grotesco. Um velho apressado, andando nos calcanhares, para tomar a barca e ir para outra casa, semanalmente. Outros e diferentes tempos. Melhor? Não sei. Quem foi Braguinha?



(19 de julho/2013)
CooJornal nº 849



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
Conheça um pouco mais de Pedro Franco


Direitos Reservados