14/06/2013
Ano 16 - Número 844


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



 Bordões e Melancias

Pedro Franco - CooJornal

Quem de nós já não frequentou um novo ambiente e percebeu que os conviventes habituais tinham certos bordões. Usavam e era como se fosse uma linguagem própria daquele grupo. Os de fora ficavam sem entender, se não pedissem explicações. Há a anedota do indivíduo que foi visitar família, que adorava contar anedotas e numerava-as. E era só dizer um número, todos sabiam a que anedota referia-se e riam a mais não poder. Dezessete. Noventa e três e riam e riam. O estranho, querendo fazer-se enturmado, pois iria pedir a mão de uma das moças daquela alegre e tradicional família, não se aguentou e disse em alto e bom som. Quarenta e nove. Todos pararam de rir e a mão da noiva não lhe foi dada, porque aquela anedota tinha sido excluída depois que se percebeu duplo sentido, chulo e pornográfico. Vencida a anedota, não tão nova ou engraçada assim, vamos às melancias. Fui trabalhar em um novo ambiente e de vez em quando o chefe não ia e os funcionários diziam entre sorrisos que o Chefe tinha comido melancia. Novo no pedaço, percebi que ali havia coisa e não perguntei logo. O chefe faltava e sempre havia a história da melancia. Aí já não era novato e este chefe não era um mau chefe, ainda que fosse austero, emburrado e pelo visto dava-se mal com melancias. _ Que história é esta de melancia? _ Pergunte à Elvira. Quem me deu esta indicação, fez rindo. Sempre me dei bem com a Elvira, moça muito distinta, elegante e que ficava ruborizada à toa. _ Que história é esta da melancia, Elvira? Logicamente que Elvira ruborizou, disse este pessoal não tem jeito e não queria contar o fato. _ Assim ainda vou pensar que é pior. _ Está bem, desde que você não fique mais falando nisto. Elvira e outra colega gostavam muito de ir ao teatro e a Cinelândia tinha muitos cinemas e também teatros, quando ocorreu o fato. E para ir ao teatro as mulheres colocavam chapéus e iam nos trinques. Elvira e Odette iriam assistir peça do Jaime Costa e foram com as roupas que a moda pedia. Trabalhávamos perto da Cinelândia, as duas fizeram um pouco de hora na repartição, compuseram-se com chapéus etc e depois estavam andando devagar perto do Teatro Municipal, quando encontraram o Chefe. Era taciturno enquanto não tomava uns uísques. E tinha tomado uns uísques. _ Onde é que as meninas vão? _ Vamos ao teatro. _ A seção é só às oito horas. Fazia calor e havia um vendedor de melancias. Entrou a melancia na história. Três cavaletes, uma tábua em cima e melancias, bonitas melancias, vendidas às fatias, cortadas na hora. _ Vocês vão comer uma fatia de melancia comigo. Elas toda emperiquitadas, luvas, chapéus, sapatos de salto alto, bolsas, vestidos na moda, tentaram recusar o oferecimento. _ Não aceito desculpas e se não aceitarem vou tomar como desfeita. Ele, chefe, que era de poucas palavras, com os uísques tornava-se loquaz. Elvira e Odette aceitaram, ainda que torcessem para que nenhum conhecido visse-as naqueles trajes, comendo melancia na Cinelândia. E foram pedidas três fatias. O Chefe achou a sua fatia divina e Elvira e Odette, tomando muito cuidado para o líquido da fruta não estragar a maquiagem, ou sujar os vestidos, concordaram. Odette era tão delicada e gentil quanto Elvira. E o Chefe, embalado por seus uísques, fez questão de pagar uma nova rodada de fatias. O Chefe estava com sua pesada maleta, fez um gesto mais brusco, desequilibrou-se, caiu por cima da tosca bancada e, qual catapulta, voaram melancias para todos os lados. A última imagem que Elvira e Odette viram, pois encabuladas afastaram-se, foi ver o Chefe de pernas para o ar, de terno e gravata, sua maleta longe, melancias pela calçada e pela rua e o vendedor uma fera e dizendo todos os palavrões que sabia. Elvira e Odette correram para o teatro e não contariam o ocorrido, que foi presenciado por um colega, que da calçada da Rua Treze de Maio viu toda a cena. Fora este colega que me enviara à Elvira, para saber a história e era um dos mais moleques da seção. Quando Elvira e Odette chegaram à repartição no dia seguinte, todos já sabiam da história das melancias. O fim da história e dos possíveis acertos do Chefe com o vendedor ninguém soube, pois o colega, para não constrangê-lo, também se escafedeu. Deixar de contar o ocorrido aos outros colegas não pode, pois se guardasse segredo, como poderiam implicar com Elvira e Odette? E o Chefe? Naquela sexta-feira e no sábado, trabalhava-se meio expediente aos sábados, mandou avisar por telefone que estava indisposto. Na segunda-feira voltou ao serviço com seu ar taciturno e emburrado. Continuou tomando seus uísques, faltando nos dias seguintes e provavelmente nunca mais oferecendo fatias de melancias às moças que encontrava.



(14 de junho/2013)
CooJornal nº 844



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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