17/05/2013
Ano 16 - Número 840


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



Volta do Maracanã e recordações

Pedro Franco - CooJornal

O Maracanã vai voltar! Parece até que ele saiu. Não saiu, não funcionou, o Engenhão não pegou e pifou. Maraca de volta e agora, abril de 2013, já houve até um arremedo de volta em jogo de veteranos. De 2013 a 2016 o Brasil vai ser palco da Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo de Futebol (2014) e Olimpíadas (2016) e o Rio de Janeiro, cidade, que vira Rio, vai ser local especial e sede Olímpica. Era hora do Brasil arcar com o ônus financeiro destes eventos? Creio que não, pois faltando-nos o principal, saúde e educação... E, tendo estas importantes carências, os reais deviam ser canalizados para os dois focos e sem assistencialismos, que no âmago são eleitoreiros e o povão lucraria mais. Os folguedos esportivos estão aí, tristezas não pagam dívidas, Álvaro Moreyra pregava que as amargas não e o Maracanã enfim voltou. Aleluia. Aleluia. E várias reportagens mostraram os sentimentos de determinadas pessoas perante o novo e lindo estádio. Pensei no meu sentimento Maracanã, muito frequentado em priscas eras. E muitos dos entrevistados relacionaram suas idas ao ex maior e mais belo estádio do mundo a jogadores importantes nas paixões clubísticas. Lógico que falaram em Pelé, Assis, Garrincha, Tostão, Zico e a lista é enorme. Citaram também jogos épicos. Cito modesto Fluminense e Madureira e um jogador, que depois virou técnico e jogou neste dia. O Fio de Esperança brilhou. Ainda há pouco ficava fora das quatro linhas, mascando um palito de fósforo, dando orientações e dependendo dos pés dos outros. E o futebol tem dado ídolos e em todos os países. E vou me fixar então em Telê Santana, que talvez não fizesse parte da pagina dos melhores jogadores do mundo. Penso em Telê um pouco mais gordo, do que quando envergava a camisa tricolor por todos os espaços do campo. Era polivalente, quando ainda não haviam descoberto esta função no futebol. Jogava com ânsia de vencer, que lhe dava pernas para correr os noventa minutos, pernas que o estado físico não predizia. Centro avante em decisão de campeonato e com sucesso. Antes e depois ponta direita. Não chegou a permanecer em seleções, ainda que com a camisa do Fluminense fosse mais que um ponta de seleção, pois era vários jogadores ao mesmo tempo, incorpóreo quase, driblando mal, sabia e confessava, passando bem, jogando duro e na bola, atacando e defendendo, possuindo um "sem-pulo" de muito respeito. Marcava, destruía, goleava. Que luta! Vi várias vezes ser épico diante do legendário Nilton Santos, que poderia figurar sem favor na tal página acima. O jogador do Botafogo, atlético, calmo, clássico, soberbo em estilo, batalhando com o magrinho Telê, que se empenhava sem cessar, ou intimidar-se, vencendo, ou perdendo, ao sabor dos fados. Era um jogo a parte. Telê versus Nilton Santos. Neste caso o "inimigo" era bom caráter, leal, o fino na bola. Só que o time adversário podia colocar um lateral daqueles "prefiro bater da cintura para cima", que era o mesmo empenho, o mesmo vaivém. O Fio de Esperança não fugia de “botinadas” e entrava firme, muito firme. O Fluminense era Castilho lá atrás e Telê na frente. Estou sendo injusto com Orlando Pingo de Ouro, um dos meus ídolos. Telê falava pouco e tinha fama de sovina fora de campo. Nas excursões cortava o cabelo dos colegas, depois comprou uma sorveteria, tinha lá seu folclore. Que craque não tem? É lenda sadia e de profissionalismo, ao contrário de muito que se vê hoje. Com há os chinelinhos, que só correm até fazer um bom contrato. Telê vestiu a camisa sete de Álvaro Chaves sem medo e sem mácula durante muitos anos. Deixou as chuteiras, virou técnico, de vários clubes, campeão pelo Fluminense, técnico da seleção, que jogou bem e não foi campeã, teve, oh enorme tolice, fama de "pé-frio", até que pegou o time do São Paulo, onde esteve e com títulos e mais títulos como treinador, disciplinador e orientador. Como Telê devia se renegar quando se deparava com um jogador "chupa-sangue"! Acho mesmo que Zagalo inspirou-se em Telê, para ser o “Formiguinha” da seleção brasileira campeã do mundo; os dois lutando sempre, com muito amor à camisa e denodo, um na ponta direita, outro na esquerda. Zagalo driblava melhor, Telê "pegava" melhor. E diante de tantas glórias ficou de Telê a história que mostra que a torcida é sábia em seus julgamentos. E grata. A tarde era boa para o futebol. Maracanã, Fluminense e Madureira. Público regular. Telê, o também chamado Fiapo, em fim de carreira, julgado sem pernas pelo Fluminense, ainda que fosse melhor que o sete titular do tricolor, jogava por outro tricolor, o Madureira. Fluminense e Madureira. Vencíamos de três a zero. Telê apanha a bola, percebe que o goleiro está adiantado. Com um toque espetacular, a cena parecia acontecer em câmera lenta, por cobertura coloca a bola no ângulo. Gol do Madureira! À pequena torcida do Madureira, ao comemorar seu gol, juntou-se freneticamente a do Fluminense. Em meio ao pó de arroz, símbolo dos nossos gols, a torcida comemorava com o seu Telê de sempre. Poucas vezes o Maracanã em jogos de clubes foi tão unânime ao festejar um gol, um manso e gentil gol! Gol de Telê! E na tarde que caía percebi que há emoções que transcendem a um simples jogo de futebol e são destas que emprestam dimensões nobres aos esportes, mostrando, que ao rolar da bola podem se firmar sentimentos verdadeiros, de profundo sentido ético, que merecem ser cultivados e pactuados, pois elevam os que dele participam. Havia, ao se comemorar Fluminense 3 e Telê 1, marmanjos durões com lágrimas nos olhos. Torcedores que de há muito não se enterneciam e agora iam às lágrimas. O magro ponteiro em fim de carreira encobriu o goleiro e, sem ser por vingança, a torcida do Fluminense comemorou um gol que levava. Agradecia e reconhecia a dedicação de Telê, um profissional com fibra de amador. Telê, espantado, era abraçado pelos adversários de momento, mais do que pelos seus companheiros de Madureira. Saibam, certos momentos só acontecem, perdoem-me, no Fluminense, com a colaboração da torcida tricolor. A história está aí para me dar razão. Além do hino, fala Lamartine Babo no “sou tricolor de coração”, cantamos “abença João de Deus” nos momentos aflitivos de um jogo, desde que o Papa visitou o Brasil. Voltando a Telê Santana. Viveu glórias esportivas maiores, estou certo. Esta, de agradecimento da torcida, deve ter merecido lembrança muito particular e preciosa. Esta enternecedora recordação de um Fluminense e Madureira carrego, emocionado, para sempre, ainda mais que Telê Santana não mais está entre nós.


(17 de maio/2013)
CooJornal nº 840



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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