03/05/2013
Ano 16 - Número 838


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco



O hospital, o professor e a aposentadoria

Pedro Franco - CooJornal

Entrava no hospital com outra percepção, apesar de já freqüentá-lo há mais de trinta anos. Naquele velho Hospital Gaffrée e Guinle, agora da UNI-RIO, dera os primeiros passos na carreira, ainda aluno. E continuara ali. Aquele conjunto de paredes amarelas e dificuldades agora para ele ficava muito diferente. A saudade antecipada modificava todos, prédio, alunos, doentes, enfermeiras, colegas, amigos. Seus olhos alongavam-se pela larga enfermaria de amplos boxes azulejados e cortinas azuis, como se quisessem reter imagens, fotografar tudo e gravar bem o bulício dos alunos, as longas conversas com colegas, alguns que haviam sido seus professores e outros seus alunos, as gozações dos amigos, alguns compadres até. Quase quarenta anos é muito tempo... E como vira doentes e desgraças neste tempo! Nunca se acostumara, ou deixara-se vencer sem luta, ou estudo. Estude para seu doente, era seu permanente conselho aos alunos. Entrara ali rapaz, iria sair em breve, pasmem, avô de três netos e um pouco mais vivido do que entrara. E não tinha muito a reclamar, ainda que estivesse em moda ser vítima. Fora até da Diretoria do Hospital nos idos de oitenta. Bons tempos. Quantos alunos importantes, o Bahia e Karla, que representam centenas de outros. Dera aulas ao filho e até à neta, emoções não esperadas e guardadas, Quanta recordação...

É, não teria que acordar tão cedo, não teria que buscar uma atualização permanente, que aluno não perdoa, no que faz muito bem. Deixaria de ter que preparar aulas a noite, depois do consultório, mesmo quando a mulher avisava que havia um bom filme na televisão. Viria ao hospital, quando quisesse, diriam. Talvez até convidassem para dar alguma aula. Quem sabe sobre insuficiência cardíaca diastólica, sua última pesquisa? Andaria naqueles corredores, sem que os alunos reconhecessem. Nenhuma aluna pediria que examinasse um eletrocardiograma, quando estivesse descendo a escada, para ir apressado almoçar. É, ainda que procurasse se convencer do contrário, morreria um pouco com aquele afastamento, sabia. Eram muitos anos de magistério, levado muito a sério, com extremado interesse e ternura, ainda que só ele e a mulher soubessem deste sentimento. Os dois anteviam como seria difícil viver bem, sem que ele estivesse sempre indo ao hospital, sua terceira casa, onde era tão bem tratado, quanto na primeira e no consultório. E ninguém poderia perceber esta tristeza no contato dos últimos dias. Tinha que dar aulas, ver doentes, dar notas, sem que percebessem a nostalgia da despedida. Nem perceberiam, nem sentiriam muito sua falta, sabia e aceitava. Era apenas mais um Professor de Medicina que se aposentava! Outro logo tomaria seu lugar, suas aulas, com mais ânimo e ciência e, tomara, com o mesmo amor, que tanto sentira, sem aparentar, ou dizer.



(03 de maio/2013)
CooJornal nº 838



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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