26/04/2013
Ano 16 - Número 837


 

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PEDRO FRANCO

 


 

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Pedro Franco


Um Senhor Idoso

 

Pedro Franco - CooJornal

Era domingo. Sem sol, ou chuva. Mormaço. Resolvemos ir almoçar fora e depois assistir ao filme “Amor e Cia”, baseado na obra de Eça de Queiroz “Alves e Cia”. Chegamos cedo ao restaurante, pois o filme começaria às duas horas. Vazio ainda e só com duas mesas ocupadas. Feita a pergunta fumante, ou não fumante, fomos encaminhados para local bem localizado e longe de fumaças. Eram tristes tempos em que ainda se fumava em ambiente fechado. Perto de nós um senhor idoso almoçava. Tinha ares de comensal assíduo e também iniciava a refeição. Os garçons conheciam-no e revezavam-se em atendê-lo e conversar. Sobre o tempo, sobre o Fluminense, sobre a comida, enfim faziam sala e de boa vontade com delicadeza e afeição. O Senhor tratava-se bem à mesa. Comentou um prato que pedira errado, com um ingrediente que já lhe fizera mal uma vez. O garçom quis trocá-lo. _ Já comecei a comer e seria prejuízo para vocês. O garçom delicadamente insistiu. _ Também teria que esperar e acabo perdendo a fome. Desta vez não vai me fazer mal. Não creio que perdesse a fome, pois acabara com a lauta entrada, depois com o tal prato bem servido, ajudado por um copo de vinho branco, sobremesa de torta e sorvete, café e biscoitos, licor e novo café simples para rebater. Um discreto tremor na mão esquerda, roupa simples de boa qualidade, voz educada, magro, sorrisos frequentes e foi o pano de fundo de nossa refeição. Teria, que sei eu, mais de oitenta anos e demorou-se na mesa, sem pressa, como quem não tem nada a fazer no domingo e quer que a refeição e o convívio perdurem. Provavelmente depois teria uma longa tarde de domingo. Também demoramos, pois, se assim não agíssemos, chegaríamos cedo no cinema. Nós dois, companheiros de longo casamento, comentamos depois o envelhecer e ficar sozinho e solitário fazer refeições. Cogitamos que talvez já tivesse tido uma família, mesa de domingo cheia, filhos, netos, mulher ao lado. Agora... Talvez nada disto tivesse ocorrido em sua vida e tivesse sido sempre só. Aos nossos olhos não parecia ter sido assim. Havia um que nostálgico em seus gestos. Não haveria um sobrinho, ou sobrinha, ou filho, ou neto, que se dispusesse a almoçar com ele? De toda a forma sobraria uma longa tarde/anoitecer de domingo. Um solitário, que já tivera casa cheia, confidenciou-me que o pior de sua vida eram as tardes de domingos e feriados e o anoitecer diário. Voltar para casa e não ter alguém para recebê-lo. O nosso idoso despediu-se dos garçons com um até amanhã. Saiu andando com cuidado, pela calçada da Praia do Flamengo, com atenção para não cair nos buracos das intermináveis obras. Foi. Magro, camisa branca, inflada pela brisa que soprava, andando devagar e atento. Não trocamos palavras, nem olhares. Nunca saberá que estávamos solidários com ele, fosse qual fosse sua restante tarde de domingo.


(26 de abril/2013)
CooJornal nº 837



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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