02/11/2012
Ano 16 - Número 811

 

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PEDRO FRANCO

 

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Pedro Franco


 Algumas considerações sobre antiga profissão

 

Pedro Franco - CooJornal

- Vamos ajeitar esta sala! Imagine se vem um médico de noite? Com esta pergunta a avô dava as ordens para que a sala fosse arrumada e, se médico fosse chamado, não encontrasse qualquer bagunça. A avó levava ao quarto um copo de água, coberto por um pires. No tempo da avó da avó levava-se ao quarto até, com perdão do termo, um penico. Muitos jovens irão ao dicionário saber do utensílio. Isto acontecia em tempos muito atrasados e o penico ficava embaixo da cama. Fiquemos no tempo da avó e os cuidados noturnos com a casa, se um médico fosse chamado... Este cuidado de arrumação dava a noção do respeito à profissão. - O doutor quer lavar as mãos? Antes e depois da consulta. O sabonete seria novo, a toalha de mão a mais chique da casa e ainda não usada. Muitas vezes ao fim da consulta na saída do médico era oferecido cafezinho ou cálice de licor, mil agradecimentos e o preço da consulta em envelope, ou a família passaria no consultório para saldar o custo da visita domiciliar. O Doutor era o Doutor! Machado deixou ótimas perguntas e entre elas o mudei eu, ou mudaram os Natais. Mudaram o médico, a profissão médica, a valorização do profissional, enfim a Sociedade. Médicos federais, estaduais e municipais ganham muito menos que os de outras classes também de nível superior e até com cursos universitários de duração menor. Hoje a maioria dos médicos faz residência, logo o curso completo pode levar nove anos! E há que se atualizar sempre! Por que então ganhar menos? Os médicos também perderam destaque social, inclusive na história acima representado pelo sabonete tirado do invólucro na hora do médico lavar as augustas mãos. Médicos agora raramente são chamados em casa e de fato tecnicamente a visita domiciliar não é defensável, exceto por exceção. E as augustas mãos ficaram, ou não ficaram? Ficaram mãos, excepcionalmente augustas e se o aprendiz de serra ossos (Dickens cunhava assim os médicos. O autor e, entre outros, Molière foram duros com a classe, que de fato tinha exageros e prerrogativas repreensíveis). E médicos, queiram ou não, continuam tendo fundamental importância. No topo de qualquer campanha eleitoral fala-se em educação, capitaneada por professores e saúde com quem fez o Juramento de Hipócrates cuidando da mesma. Logo médicos são importantes, ainda que em qualquer classe haja joio e trigo (sem falar na importância legal de quem assina o atestado de óbito de cada um). E críticos imparciais poderão ver que o trigo caiu no balaio do joio e assim é julgado. Há problemas na cadeira do médico e muitos também na de quem se senta, na do impaciente. Percebo que médicos, que ainda levam a profissão a sério, acreditam em horários porque não têm bolas de cristal, examinam, conversam antes de pedir exames, também não recebem a devolução em respeito que merecem. Mesmo que cumpra horário, apesar dos percalços da profissão, mande atendente na véspera confirmar a hora e consulta, chega aquele momento dedicado ao paciente e este nem aparece e, indo à gíria, nem dá bola e reclama depois se não é encaixado. Conheço médico, das antigas, que avisa que no vocabulário dele não existe o termo encaixe, que pune os dois marcados e também o encaixado, pois o tempo da consulta diminuiria e atendimento encurtado é igual à efetividade profissional diminuída. E se eu passar mal naquele dia, pergunta o impaciente, que pretende ser atendido sem marcar consulta. O tal médico esclarece. Se for queixa grave procure um serviço de urgência, se não for, avise-me que chego antes da primeira consulta, ou atendo-o no fim do dia. Diante de tantos problemas, citar este, do não comparecimento de paciente na hora aprazada, pode parecer tolice, sei. “Fi-lo por que qui-lo”, asseverava político antigo e destrambelhado. Outro disse que o Brasil tem o melhor sistema de saúde pública do mundo. Fora a frase despejada em Pais evoluído politicamente, com povo que não se deixasse envolver por patranhas e demagogias, no dia seguinte esta população, de quem tinha zombado com a afirmação despropositada e canhestra, pediria suas contas e a porta da rua do governo seria a serventia da casa para aquele político. Enfim, nossa saúde pública é digna apenas de lástima. Muitas vezes escreve-se e é difícil comprovar o afirmado. Aqui fica fácil. Convido-o a visitar o hospital público mais perto de sua casa e dar uma olhada. Muitas vezes, antes desta visita de inspeção pessoal, vale tomar tranquilizante, ou antiemético. E os planos de saúde. Ah, ANS como entrava a luta do CREMERJ para valorizar o médico! Voltemos à profissão médica, que mudou e muito. Culpa de quem? Vou tentar ser justo sem fazer corporativismo e não buscando exceções. Elas existem para o bem e para o mal. Oitenta por cento cabe culpa (e não é que muitos agora querem abolir culpas de toda a espécie, até no STJ!), a desgovernos e à Sociedade. Médicos, como qualquer ser, pertencem à Sociedade, que mudou, logo eles também mudaram e pegam lá seus vinte por cento em culpa. Hoje, estuda mais, cansa-se mais, recebe muito menos reais, tem menos reconhecimento e usa menos tempo para cada paciente. Descrevo fatos de modo geral e acima solicitei que não me venham citar exemplos positivos, ou negativos. Enfim, Mestre Machado de Assis, mudou a profissão, mudaram os médicos e nego-me a afirmar que as alterações foram para melhor.
 

(02 de novembro/2012)
CooJornal nº 811



Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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