Paulo Jota
UM CERTO PRIMO
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A vida tranquila e honesta do funcionário
público João Modesto teve sua harmonia quebrada em pleno café da manhã quando
sua esposa anunciou a chegada de um certo primo Arturzinho Barros.
–
Velho, o primo Arturzinho chega hoje. Vou à rodoviária esperá-lo.
O
dia de Modesto não começou bem. Na repartição ele não conseguiu concentrar-se
nos memorandos, ofícios, editais, correspondências e toda aquela papelada
comum em época de licitações na prefeitura.
No fundo sabia que o primo
iria aparecer mais dia menos dia. Ouvira dizer certa vez em uma reunião de
família que Arturzinho é agora dono de uma construtora na capital e
conhecendo o primo temia que esse dia chegasse.
Naquele dia, quando o
expediente deu-se por encerrado na prefeitura, João Modesto fez o mesmo
trajeto de costume até a sua casa. Passou pelo jardim e notou que a sua
mulher ainda não havia colocado água nas flores. Foi o sinal que lhe
confirmou a presença de Arturzinho em sua casa.
Ao entrar na sala
deparou-se com uma cena que o fez esquecer do real motivo da vinda do primo.
Arturzinho e a esposa de Modesto estavam de gargalhadas e bem à vontade no
sofá recordando os tempos da juventude.
Imediatamente vieram à cabeça
de João Modesto aqueles velhos tempos da juventude quando teve de disputar a
esposa com o primo e quase a perdeu. Ele ainda lembra muito bem dos dotes e
atributos que o primo tinha na juventude, e o pior, ao revê-lo confirmou o
que temia, o tempo não foi suficiente para apagá-los completamente.
Logo esqueceu essas rivalidades e fez o papel do bom anfitrião recebendo o
primo como um parente querido. Vieram então os assuntos sobre trabalho e a
vida na capital. João Modesto viu que os seus temores eram apenas fantasias,
pois o primo ostentava uma bonita aliança e mostrou a foto de uma bela jovem
dizendo ser a sua esposa.
Mas o assunto tão temido e aguardado veio à
tona logo após o jantar:
– Primo João, como sabe a minha construtora
está passando por momentos difíceis. Faz tempo que não ganho uma concorrência
pública e vim recorrer ao primo a fim de ter uma ajuda na concorrência da
prefeitura.
João Modesto ficou sem palavras por segundos. Sua vida
profissional passou como um filme. Para ele aquele momento era crucial. Sua
carreira e principalmente a sua integridade moral dependiam de uma palavra. E
ela foi dada:
– Não, eu não posso fazer nada.
Naquela noite a
mulher lhe disse uma única frase:
– Que vergonha, velho. Arturzinho é
sangue do teu sangue. O que custava dar uma ajuda a ele.
E os dois
dormiram um de costas para o outro.
João Modesto não conseguiu dormir
um sono tranquilo naquela noite. Acordou várias vezes e em uma delas deu por
falta da esposa na cama e saiu do quarto para procurá-la ou talvez comer
alguma coisa na cozinha. Ao passar pelo corredor ouviu sussurros e gemidos
vindos do quarto de Artuzinho.
Nem precisou abrir a porta do quarto
para imaginar a cena.
Instintivamente correu na cozinha, pegou uma
faca e entrou no quarto tomado por uma raiva mais forte do que ele.
Na
hora pensou: Como que um homem vem na minha casa, tenta me corromper e ainda
dorme com a minha mulher.
Esperava alguma reação do primo Arturzinho,
mas a única atitude que esse teve foi a de correr com o lençol enrolado na
cintura, enquanto que Modesto esfaqueava a mulher nua em cima da cama.
Hoje Modesto cumpre pena máxima por homicídio num presídio de grande
segurança, enquanto seu primo Arturzinho progride a passos largos. Sua
construtora é uma das maiores graças às obras super faturadas e à ajuda que
recebe para ganhar as concorrências públicas.
José Paulo dos Santos (Paulo Jota) Licenciado em Letras -
Português/Espanhol pela FURG Rio Grande, RS
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