01/02/2020
Ano 23 - Número 1.159
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MILTON XIMENES
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Milton Ximenes Lima
ARTIMANHAS DO ITAPEMIRIM
(Um verão dos meus pés-meninos)
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– Chove muito lá pras bandas de Castelo! – anunciou um viajante.
E outro: - As estradas estão horríveis, verdadeiros atoleiros!
Mais um: - Vi muito deslizamento de terras, pastos alagados, casas
derrubadas, gente sumida...
Todos comentavam a insistência
daquelas pesadas gotas celestiais sobre seus corpos. O verão, em
princípio, viera abrasador, dias e mais dias de sol causticante, secara
muita terra, estragara muita colheita. Pragas rogadas e preces choradas
galgaram o espaço, e agora, Pedro, o santo padroeiro da cidade, depois de
muito pensar, resolveu fazer uma faxina lá nos seus domínios.
Consequência: aquela tragédia líquida! Ninguém se conformava. Aliás,
sempre se reclamava, fizesse tempo de sol ou nublado, de calor ou frio.
Pior de tudo não era isso, era a forma como a chuva se apresentava.
Não era daquela do tipo momentânea, de futuro enigmático quanto ao seu
retorno. Era, fina ou grossa, interminável. Acordava-se, estudava-se,
trabalhava-se e dormia-se com sua presença. Enjoada mesmo! Cercada de
morros, as ruas da cidade recebiam constantemente suas lamas e detritos
que a todos atrapalhavam.
Então, os olhos de todos se fixaram no
Itapemirim. Já inexistia aquele leito de pedras, lagoas e ilhas de tantas
brincadeiras e pescarias. A água barrenta desrespeitava tudo, beijava
raivosamente as pilastras das casas debruçadas às margens. Era tudo dela.
Arrancava terras, vergava árvores, deixando-lhes raízes à mostra. Alguns
animais, impotentes, eram arrastados pela forte corrente para o meio do
rio, desapareciam para sempre. E a chover, a chover, a chover...
Novas notícias, novos medos: - Caiu uma tromba d'água lá pros lados de
Alegre!... - O bairro Independência virou Amazonas!... - No do
Guandu, só se passa de canoa!... - A piscina do Liceu transbordou!... -
Suspenderam as aulas!... - Morreu um rapaz lá em Bahiminas!
O rio
poético se torna traiçoeiro, cresce, domina, vem rever e reaver o espaço
das ruas que outrora fora seu domínio. Não sossega, desaloja famílias,
inutiliza esforços dos que tentam salvar bens seus, de outros, e da
comunidade. Os homens, em determinado momento, já não circulam, torcem
pela esperança de mais claridade no céu, ou mesmo de um fraco sol entre
nuvens, rezam até, e depois, esperam, somente esperam. Alguns ainda
brincam de otimismo: – Vamos a um cinema?
– Que
cinema? Só se for de barco! – Então, vamos ver o campeonato
da turma do remo que o Yole Club vai fazer!
– E ver também o
pessoal que está saltando da ponte velha!
Indiferente, o rio cruza
o coração de Cachoeiro, vai em busca do mar final, atropelando ainda
outros lugares. Súbito, também um barquinho de papel rodopia, vira e
submerge dentro da sua fúria, e os olhos do menino sentado à margem, no
barranco do fundo do quintal da sua casa, dele tristes se despedem...
Comentários podem ser enviados diretamente ao autor no email
miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ
Email: miltonxili@hotmail.com
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Milton Ximenes Lima
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