16/09/2018
Ano 21 - Número 1.093

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MILTON XIMENES

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Milton Ximenes Lima



QUEM FALA?

Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal


Ontem me avisaram que uma das tias maternas estava com problema no joelho direito, sob uma severa fisioterapia. A família desenvolveu o salutar hábito da solidariedade, a preocupação se expande, todos querem, de alguma forma, ajudar. Estou nela. Do outro lado da linha telefônica não é a tia que atende, mas a irmã dela, Lulu. Tomo um susto, parece brincadeira, repergunto:

- Quem?

- Lulu... - me repetiu.

Relembro, primeiro e rapidamente, que os números dos telefones das duas têm o mesmo prefixo e outros números, depois, quase coincidentes. Já me ocorrera antes esse equívoco de trocas. Segundo, alguém usar o apelido da minha mãe, Lulu. Era mau gosto, ela já não mais estava em sua casa há meses, nem na casa de ninguém, porque de nós e da vida se despedira definitivamente num certo 31 de julho.

Desliguei, respirei yogamente e, dessa vez, alcancei os ouvidos da adoentada tia, a Naná, atualizei-me com notícias sobre ela e os primos, mas, enquanto conversava, ansiedade persistente me levou, depois, a meditar e apoiar-me na minha deficiência auditiva para justificar o que ouvira, e duas vezes: “Lulu”!

Fui ao centro da cidade, cumpri a agenda das atividades previstas. Pensamentos ainda não acalmados. À noite, não resisti, abandonei a leitura desatenta do jornal, isolei-me no quarto, peguei o fone da extensão, toquei para a casa que fora da minha mãe. Ninguém atendeu. Mesmo assim, meu sono não foi tranquilo.

Sempre curiositei conversas, palestras, livros sobre o chamado outro lado da vida, ou, como alguns preferem, o além, independente dos credos das fontes informativas. Isto me conduziu a elaborar conceitos, principalmente quando religiões e seitas se afinam em opiniões coincidentes. Todas elas imaginam um estágio purificador para quem parte, como, no catolicismo, se fala em um purgatório. E, a meu ver, nada impede que as almas ou formas de energia que se desprendem do corpo já inútil fiquem por aí, pelo espaço, visitem locais e pessoas que lhe foram queridas. Tenho lido tantos depoimentos sobre fenômenos afins, que eles me impelem à abertura da tentativa de compreensão desses mistérios.

Não divulguei minha surpresa telefônica, nem mesmo às minhas irmãs ou a pessoas ligadas religiosamente à apreciação e estudo desses acontecimentos. Apenas me preparei emocionalmente para o que programara. Manhã seguinte, quase perto do meio-dia, acionei, bem devagar, o número "da casa da minha mãe". A voz inconfundível se fez presente, após algumas chamadas:

- Quer falar com quem? Alô, falar com quem?

Emocionara-me, eu demorara a responder, disfarcei o tom:

- D. Maria Luiza está?

- É ela mesmo, meu filho!

Cacetada na cuca do ingênuo aqui, fiquei em silêncio besta, qual a mãe não conhece total e "eternamente" o filho? Hesitei, só soube dizer:

- Como está a senhora?

- Muito bem!

E agora? É continuar, ver até onde chegaria... Orientei-me.

- Quê que a senhora anda fazendo, aí?

- Estou visitando minha casa, gosto de estar aqui...

- Mãe, mãe, se desligue desta terra, aqui você já sofreu muito, isto faz mal pros seus novos caminhos!

Renasceu nela a conhecida repreensão, quando contrariada:

- Nada me faz mal agora! Faço o que quero, não se meta!

- Então eu vou aí!

- Pra quê? Você não vai me ver! Me deixe ver minhas coisas aqui!

- Assim, a senhora vai se prejudicar muito, mãe! Tem que se despedir... Lembra, quando a senhora partiu, não se desligou da Zezé, que adoeceu logo depois. Tivemos que orar muito, houve pedidos de intercessão ao Frei Luiz de Petrópolis para ajudá-la a libertar-se daqui...

- Mas ela era minha filha, estava muito doente, senti que precisava de ajuda. Vivi muitos anos na casa dela, era a minha médica, eu não podia abandoná-la. Era até um dever...

- Mas a senhora não estava ajudando, como pensava. A senhora ainda não assumira seu novo plano...

- Estava e está difícil! Vivi uma vida cheia de preocupações, que se tornaram hábitos, me atrapalharam muito. E agora daqui acompanho vocês com as papeladas do inventário, mexendo nos meus papéis, nas minhas coisas, tanto trabalho por minha causa!

- Esqueça isso, mãe... A senhora deixou tudo arrumadinho, tudo escrito. E a senhora nos deu educação e instrução suficientes para enfrentar as dificuldades. Agora chegou a vez de buscar aí a paz que não encontrou aqui! Vamos orar mais ainda para que a senhora encontre a luz do seu caminho e descanse, enfim...

- É tão difícil...

A voz sumiu. Nenhum som a mais. Quem se angustiou fui eu:

- Ô mãe, escute, ô mãe...!!

Inútil, partiu-se o cordão.

Depois do almoço, fui até a casa, não encontrei, de imediato, qualquer alteração no ambiente, as coisas estavam como deixáramos, os três irmãos, na última estada lá, pouco mais de um mês. Mas, ao me dirigir à saída, um detalhe me chamou a atenção, me assustou: o fone fora do gancho, deixado ao lado do aparelho.

Minhas irmãs não estiveram lá, só naquela vez, comigo, nem mandaram a faxineira, porque estava eu com as chaves...

Minhocas e perebas no meu cérebro! Difícil de compreender e encarar aquele telefone, que recoloquei no exato lugar. Pensei sugerir às minhas irmãs pedir um alvará ao juízo do inventário para poder vender o apartamento, ele era triste lembrança, descartável.. Mas, a que pretexto? Depois, nem tive a coragem de ligar mais...

Como não contei esta história a ninguém, este conto serve como desabafo, uma catarse, ficará jogado entre os muitos papéis literários que apinham uma das gavetas da escrivaninha. Se alguém descobri-lo, tente entender, ou, pelo menos, me ajude a compreender...


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Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email miltonxili@hotmail.com  





Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com
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