01/01/2018
Ano 21 - Número 1.059

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MILTON XIMENES

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Milton Ximenes Lima

 

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Milton Ximenes Lima - Colunista, CooJornal



Dona Mariana e “seu” Adolfo, um belo casal, ela do lar, ele administrando uma papelaria, vida simples no subúrbio carioca, casal de filhos à porta da universidade. Alegria maior deles era essa, a certeza de que eles estavam praticamente encaminhados, vencidas as dificuldades muitas.

Um dia, lá pelos quarenta e cinco anos, “seu” Adolfo começou a se sentir fisicamente estranho, algumas tonteiras, cansaço quase toda hora, sonolência, uma dorzinha chata lá para os lados do rim direito. Encontrou dificuldade para disfarçar, o clínico do bairro recomendou-o a um especialista, e este, muitos exames à mão, agilizou imediatos tratamentos. De nada adiantou, era aquela temida doença, nome censurado pelas bocas, não descoberta precocemente, a se disseminar pelo corpo, metásteses várias.

Como se esperava, D. Mariana se desdobrou, vigilante, palavras de conforto e esperança, obediência rígida às orientações médicas, com direito, também, a refúgios para seus solitários choros. Fora um homem bom para ela, sentiria falta da sua amável presença, daquele amor agora já sem grandes arroubos, mas recheado de bom companheirismo.

Óbito, auxílios, seguros, pensão, pequeno inventário, não teve ânimo para andar atrás dos papéis, lembranças dolorosas a partir de cada assinatura. Procurou, então, o primo com quem fora criada na fazenda dos avós, agora bonito e solteirão advogado.

Depois da missa de trigésimo dia formou o hábito de visitar o cemitério. Percebera que a sepultura, comprada precavidamente há muito tempo, estava a merecer reparos, conseguiu sensibilizar o interesse de um dos funcionários de lá, precisava de alguém que acompanhasse as obras de reforma. A cada etapa dos serviços sempre retornava, novas flores para colorir o local. Quase um ano se prolongou a empreitada, condicionado seu término às sobras do reduzido orçamento familiar. Colocação de um anjo segurando uma cruz, revestimentos com pedras mais bonitas, gravações de retrato, datas de nascimento e falecimento...

As melhorias, enfim, terminaram, mas a fidelidade das flores não, agora mensalmente.

Voltou, uma tarde, a rever o primo advogado. Ele percebeu um certo nervosismo nela, trancaram-se no escritório, como ela mesmo pedira, dispensou os serviços próximos da secretária, ficou a imaginar qual o mistério a lhe ser revelado. Deixou, até, por rápidos momentos, se aprisionar por antigos pensamentos de desejo por ela, liberou e bloqueou fantasias, pensou mesmo se era chegado o momento de começar a realizá-las. Por isso, se surpreendeu à primeira pergunta dela:

- Estou livre para me casar de novo?

Refez-se:

- Sim, sim... nada impede você, tá tudo legal, mas... que história é essa, é gente daqui?

- É, sim, mas você não conhece, ele mora fora da cidade...

- Não é cedo para isso? Já falou com seus filhos? – tentou alertar.

- Posso ou não posso? – ela cortou.

- Poder, pode, mas quer um conselho?

- Depende...

- Você conhece bem nossa família, é bom não festejar muito!

Nem os filhos lhe arrancaram o segredo. Quando voltou de uma viagem de quinze dias a uma cidade do circuito das águas de Minas Gerais, D. Mariana estava casada com o atencioso e jovem coveiro.


Figura na antologia do IV CONCURSO LITERÁRIO GUEMANISSE DE CONTOS
 

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Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email miltonxili@hotmail.com  



(01 de janeiro/2018)
CooJornal nº 1.059


Milton Ximenes é cronista, contista e poeta
RJ

miltonxili@gmail.com
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