16/04/2021
Ano 24 - Número 1.218




 

ARQUIVO
IRENE SERRA




 

Irene Serra



SAMAMBAIAS E FLORES

Irene Serra - CooJornal

Desde menina ela gostava de plantas. Não tanto de flores, e sim do verde, da grama, das samambaias. Admirava as folhas das árvores e, da janela do apartamento onde morava, em Ipanema, acompanhava seu crescimento.

Já adulta, quando ia ao sítio, ficava namorando a verdura do entorno. Andava com a mãe pelas trilhas do morro, onde havia até banquinhos para sentar, e esta lhe mostrava flores que estavam nascendo ali e acolá. Voltavam passando pelo orquidário e a mãe comentava como era interessante o gosto da filha, dando preferência às folhagens e não às flores. Quando ia para o lado das hortênsias, com o pai, ele levava um pequeno formão e a ajudava a tirar minúsculas mudas nativas da encosta do morro. Depois, achatava os buraquinhos, para que a terra logo se recuperasse.

Certa ocasião, quando comentou que “quando tivesse muito dinheiro faria um hospital para plantas”, a mãe respondeu inconteste “hospital, não; um hotel, uma pousada, um recanto de alegria”.

De quando em vez, o irmão caçula lhe trazia uma samambaia do sítio e ela dependurava na sala, toda feliz. – Sempre o caçula, que não sai de suas histórias e pensamentos desde que nasceu e o pai, em seu momento único depois de lhe dar a mamadeira noturna, ficava a cantar, “aaapopopô”, andando devagarinho com o bebê nos braços, pra lá pra cá, pra lá pra cá, até que ele dormisse.

Madura, insanamente (o que a paixão nos faz!) acompanhando o marido em mudanças inúmeras, encontrou-se no interior de São Paulo. Pediu ao irmão que lhe trouxesse samambaias e flores, que a esta altura por estas já se apaixonara, para enfeitar a nova casa e, na primeira oportunidade em que foi ao Rio, as pegou. Eram inúmeras e estavam muitíssimo bem embaladas, tanto que chegaram perfeitas, sem nem uma folha caída. Imagino o trabalho e o tempo demandados pelo irmão para escolher e acondicionar tantos vasos.

E por onde foi, casas e casas, todas as plantas a acompanharam. Parece que elas gostavam de sua companhia tanto quanto ela delas gostava, pois estavam sempre viçosas e lindas.

Até que, por obra do infortúnio, viu-se em apartamento e, já sem espaço para tanto, deu orquídeas e suculentas, samambaias do Amazonas, chifres de veado, avencas, antúrios, amarilis e muito mais foi distribuído a alguns parentes e amigas, ficando apenas com duas samambaias.

Ah, as duas reclamaram! Sentiram-se mesmo incomodadas por estarem afastadas das outras, daqueles jardins a que estavam acostumadas, e emudeceram. Não adiantava a já senhora de cabelos brancos delas cuidar com todo carinho, dizendo-lhes que elas estavam nos xaxins originais que vieram do sítio, que tinham sido plantadas há muitos anos, eram história de várias vidas. Nem resposta! Hibernaram.

Sem esmorecer, continuou a regá-las e a lhes dar atenção. Pelo menos cinco anos se passaram até que, na última primavera, um brotinho surgiu aqui, outro ali, e a renda portuguesa desabrochou. Repolhuda e sorridente. Era hora de cortar um rizoma e plantá-lo em outro xaxim, que continuava calado. E em muito pouco tempo, surpresa! De um lado começava a explodir uma samambaia do Amazonas, original de onde foi cortado o xaxim; e, do outro, aparecia uma tímida renda portuguesa. Força, meninas, vocês chegam lá!
 
E com tantos brotos surgindo, moradia rejuvenescida, alma cantante, a quem agradecer? A Deus e ao sempre irmão.



- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, a irene@riototal.com.br 





Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total, copidesque
RJ 
irene@riototal.com.br   



Direitos Reservados
É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor.