01/04/2021
Ano 24 - Número 1.216




 

ARQUIVO
IRENE SERRA




 

Irene Serra



COMO UMA TABOA

Irene Serra - CooJornal

Fui ao Bradesco receber minha aposentadoria. Perto, mas não na porta, havia um rapaz de camisa laranja dessas de guardador, que me pediu um trocado. Mostrei-lhe as mãos vazias e disse que nada tinha. Ele não retrucou, saiu. Esperei para ver se ele havia ido mesmo embora e entrei no banco.

Peguei o dinheiro e o coloquei em dois bolsos da calça jeans, pois, por precaução, não saio sozinha com bolsa. Olhei para lá e para cá, rua semideserta, e tratei de ir embora. A rua onde moro não tem comércio, praticamente só casas, um e outro edifício começando a ser construído. Mal virei a esquina, vejo o alaranjado vindo em minha direção, gritando que agora eu já estava com dinheiro e podia dar a ele.

Tentei retroceder e, por sorte, vejo dois rapazes fortes, em passo de caminhada acelerada, conversando, sem máscaras. Arrisquei um “moço, moço, me ajuda”. Gentilmente pararam, um logo colocou a máscara e conversou comigo. Ah, como me senti aliviada! Falei que estava com medo de ir para casa e mostrei o laranjinha que virou as costas e andou em frente.

Nessa altura eu chorava e pedi aos rapazes que me acompanhassem até meu prédio, bem na esquina. Eles mudaram a direção original e vieram comigo. “Não fique nervosa, estamos aqui”, e um deles me deu o braço. “A senhora não deve ir ao banco sozinha, é muito perigoso.” E passamos a prosear como se conhecidos fôssemos. Educadíssimos. Visivelmente gente boa.

Percebi que entendiam de defesa, pois um ficou do meu lado e o outro bem atrás de mim, como um guardião. Acalmaram-me, de verdade, mesmo de quando em vez eu vendo o laranja na esquina. Ufa! Quase entregue, estou a poucos passos de casa! Como me senti aliviada!

Por pouco tempo...

Sinto um espetar doído na coluna, altura da cintura, e o gentil rapaz que estava atrás me diz “vou colocar a mão no seu bolso e pegar o dinheiro; se gritar eu atiro e a senhora não anda nunca mais”. Em um minuto, os três corriam desabaladamente e desapareceram na outra rua.

Precisei de força para chegar à portaria e lá me sentar, antes de subir. E só muito mais tarde atinei: como eles sabiam que eu havia ido ao banco e estava com dinheiro no jeans?

Burrice minha em confiar em passantes? Não sei. No momento eu tinha certeza é que se não pedisse ajuda seria assaltada. A trama foi muito bem articulada e deve estar a acontecer em vários pontos da cidade.

Acarinhada por parentes e amigos, dormi por quase dois dias. Hoje me sinto uma taboa - que por mais que se vergue ao sabor do vento, retona à sua posição cada vez mais resistente - e, erguida, estou novamente pronta para enfrentar o que a vida quiser me trazer.




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Irene Vieira Machado Serra
foniatra, editora da Revista Rio Total, copidesque
RJ 
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