17/10/2009
Ano 12 - Número  654

ARQUIVO
IRENE SERRA


 
Irene Serra  
  

Sono, índios e sabedoria

 

Aprendi com Sarita Barros, instrutora de yoga, alguns truques para facilitar a chegada do sono. É que ando há algum tempo sem nem saber o que é isso. Avança a madrugada e lá estou eu com os olhos mais do que abertos, a pensar em mil e uma coisas desnecessárias, inúteis mesmo. Se ainda tivessem alguma serventia até que me conformava.

Então, segui a lição: tomei um copo de leite morno com canela, deitei-me cedo e procurei aliviar o pensamento com algo bem prazeroso. Uma vida tão repleta de alegrias e momentos felizes e nada me vinha à mente... Pensava na cor preta e aparecia uma imensidão vermelha. Os carneirinhos se transformaram em dragões. O perfume das flores rescindia a perfume de quinta categoria.

Desisti. Passava um pouco das 23 horas, levantei-me e liguei a televisão. Como de hábito, estava na TV Cultura. Em Cientistas do Brasil, havia um debate com o antropólogo Roberto da Matta, fascinante. Falando em rituais tribais, comenta uma experiência que havia tido ao estudar os índios Apinayé.
Pergunta a um deles o que acontecia após a morte.
- Eles vão para lá, mas continuam conosco.
Como a direção apontada era o poente, associou à escuridão. Certo, pensou. E depois?
- Muito tempo depois eles vão para dentro de um animal e a gente vê de vez em quando; ou eles vão para dentro do oco de uma árvore e morrem de novo, a gente não vê mais.

Fiquei pasma. Os índios percebem tudo!
A lembrança de alguns vai se apagando com o tempo, até que sua falta pouco é sentida. “vão para dentro de um animal e a gente vê de vez em quando”.
Ou nem são mais lembrados “vão para dentro do oco de uma árvore e morrem de novo, a gente não vê mais”.

Fui dormir, tranqüila, com mil bons pensamentos em meus entes queridos, cuja permanência estará em mim por toda a vida.

E continuo persistindo nas instruções da minha amiga. A cada dia tento me envolver em paz, relaxar. Não posso me esquecer da importância da respiração. Com uma professora dessas, chego lá!


(17 de outubro/2009)
CooJornal no 654


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 
irene@riototal.com.br