31/03/2007
Ano 10 - Número  522

ARQUIVO
IRENE SERRA


 
Irene Serra

  

Deseducação infantil

 

Os Irmãos Grimm nunca imaginariam que sua história Joãozinho e Maria fosse ser nome de uma escola de deseducação infantil.

Enquanto as duas crianças jogavam migalhas pelo chão e os passarinhos as comiam, sem imaginar o transtorno que iriam causar, aqui essas aves fogem agredidas pelo barulho até então desconhecido. Um bem-te-vi veio se despedir, choroso, porque haviam derrubado sua árvore-morada, sem saber ainda qual direção tomar. Um sabiá deu seus últimos trinados de adeus, nunca mais volto aqui. E a tristeza foi tomando conta do lugar que tão encantador fora até a implantação desta “escolinha”.

Ah, se os pais soubessem que o sorriso e carinho com que as crianças são tratadas na entrada se transformam em berros e agressões à medida que o dia transcorre, certamente ali não deixariam seus filhos. Aliás, sabe-se quando chega um novato pela ternura da voz que acompanha os recém-chegados, pela atenção que a eles dispensam. Mas, logo que vão embora e a rotina começa, instala-se a balbúrdia e agressividade. Crianças André, Ana Paula, José, Fernanda, Luiz Felipe e tantas outras que terão no futuro uma recordação triste de seu tempo escolar, talvez marcas indeléveis em sua personalidade e formação.

Em meio ao berreiro (ali não se conversa, pois não há autoridade) ouve-se um aluno reclamar:
- Mas você é sem-educação, heim?

E vem a pronta resposta:
- Quem? Eu?

- É você sim! É muito sem-educação!

O assunto morre por aí. Fazer o quê? É a verdade dita pela boca dos inocentes, como diz o ditado.

De outra feita, a responsável irresponsável, grita para outro:
- Você vai ver, vou falar com sua mãe para bater tanto em você, mas tanto, que você vai se arrepender do que fez.

Seja lá o que a criança tenha feito, a escola não pode jogar (o castigo?) a correção para os pais. Dá para imaginar o pavor que a pequenina passará a ter de seu próprio lar, com esta ameaça. Quem quer voltar para casa e, em vez de encontrar aconchego, apanhar até não poder mais?

Música é saudável. O estímulo auditivo é parte preponderante da concentração e desenvolvimento da inteligência. Mas, cantigas de roda colocadas em som altíssimo, para o quarteirão inteiro ouvir, só pode ser prejudicial.  Mesmo assim, estes momentos quase que de lazer são raros. Em geral é correria, gritos e bate-bola por horas, não importa se sol a pino ou chuviscando, em um quintal totalmente aberto. As crianças devem estar adorando esta falta de controle, esta liberdade inconseqüente! Que parâmetros de certo e errado conseguirão formar?

A casa, construída para ser residencial, não está preparada para isso. O som reboa e vai criando uma ansiedade, um desespero sem fim nos que estão em volta. É o caos. O inferno! E lá vem bola no quintal do vizinho, que nada tem a ver com isso e anteriormente escolhera aquele lugar para morar justo pela tranqüilidade que apresentava.

Desde que a escola ali se instalou, há quase dois meses, se acha dona da rua. Aos demais, torna-se impossível um trabalho mental e o fazer vai se acumulando para a madrugada. Conseqüentemente, o cansaço limita o raciocínio e a tarefa a ser cumprida não sai a contento. Úlcera nervosa, pressão alta e disritmia atreladas ao stress são os primeiros sinais desta angustiante situação. Por quanto tempo mais agüenta-se dormir média de três horas por noite? Entrincheirados, os vizinhos dão-se conta que precisam sair dali. Mas, haverá acordo para que não sejam sempre os prejudicados? Afinal, passaram a pagar lebre por gato.

A liberdade acabou, pois olhos infantis os observam, tirando-lhes a privacidade. As janelas passaram a ficar fechadas e o uso do quintal, limitado. É lógico! Colocaram brinquedos à altura do muro e as crianças ficam de lá, encarrapitadas, apreciando. Já tendo acontecido, inclusive, de pularem o muro para pegar a bola lançada do outro lado.

Se uma criança cai e se machuca nessa invasão, de quem é a responsabilidade? Lá vem mais uma dor-de-cabeça, até prestar declarações em delegacia, hospital e tudo mais de direito, porque nessas horas sempre o culpado é quem não tem nada a ver com isso. A bem da verdade, é bem possível que da escola joguem a culpa em terceiros, baseado na própria defesa da diretora “a vizinha da outra casa deixou que eles pulassem o muro quando cair alguma coisa lá. Nem precisa avisar...”

Mas, como querer que uma escola eduque, ensine e dê noções de respeito, se os próprios responsáveis amarram placas de propaganda em frente à casa dos outros, invadindo um espaço que não lhes pertence?

Ah, Joãozinho e Maria, voltem para as histórias de encantamento e deixem que suas páginas sejam manuseadas com doçura e carinho. Não tirem o sonho das crianças, tornando suas vidas ásperas desde tão tenra idade! Dê-lhes e devolva-nos a paz! Que o final seja feliz como em todas as histórias da carochinha!



(31 de março/2007)
CooJornal no 522


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br