17/03/2007
Ano 10 - Número  520

ARQUIVO
IRENE SERRA


Irene Serra  
  

Jantar de cerimônia

 

Helena é recatadíssima! Há vinte anos com a mesma patroa - fora trabalhar ainda menina - sempre soube respeitar e obedecer o ritmo da casa, aproveitando tudo que lhe foi ensinado. Hoje está casada e com duas filhas.

Juventa ajudou-a a comprar uma casa num bairro simples de São Paulo e colocou as duas crianças na escola, mantendo o estudo delas no laço. Todas as tardes têm de mostrar-lhe a lição de casa e, se esta não está bem feita, precisam refazê-la por inteiro. Aí é dia de Helena sair tarde, não tem jeito! Mas se a tarefa está perfeita, vão todas tomar um sorvete antes da mãe ter seu merecido descanso.

Porque, se Juventa é altruísta e boa, é também de uma exigência ímpar. Não abre mão dos menores detalhes.

Sabendo bem disso, Helena caminha quase que na ponta dos pés, fala baixo e o mínimo possível, só aparecendo na sala quando chamada.

O dono da casa adora peixe, sendo seu preferido o pirarucu. E, aos sábados, Juventa manda Helena prepará-lo - afinal, treinou-a a fazê-lo com perfeição, para deleite do marido. Assim como o cuscuz, em que é mestra, estas iguarias passaram a ser servidas em quase todas as ocasiões festivas.

Certa vez, recebendo convidados de cerimônia, Juventa orientou Helena que avisasse logo que colocasse a refeição na mesa. Em pouco começou a ouvir um sussurro.

- Dona Juventa, o piraru...

- O que, Helena? Fala mais alto, não estou entendo.

- O piraru...

- Fala mais alto, mulher de Deus, parece que está com medo!

- O pirarubunda está na mesa!!!

Agora, ficamos aguardando o dia em que Helena avisará que o bundasbundas está servido.



(17 de março/2007)
CooJornal no 520


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br