01/07/2006
Número - 483

ARQUIVO
IRENE SERRA


Irene Serra  
  

Enternecimento

 

Observadora silenciosa, apreciava um jornalista editando uma entrevista que fizera com um criador de gado. Ele exultava, parecia que o rebanho era seu. Às vezes sorria, anotando momentos aos quais queria dar um destaque especial. O tema era a raça Brahman, que teve sua primeira importação autorizada em 1994 e, neste período, teve um crescimento sem paralelo na história da pecuária brasileira.

Mas, apesar do interesse no trabalho que ele desenvolvia, meus olhos não se desviavam de uma das fotos ilustrativas. Ela mexia comigo, me fazia devanear. Acostumada a passar temporada de férias na fazenda de meus tios, em Minas - muitas vezes encarapitada na cerca do curral, vendo a ordenha e esperando uma caneca de leite quente tirado na hora - eu nunca vira cena como a que, agora, me deparava. Enternecimento era o que via em ambos: fazendeiro e animal. A vaquinha sorria para ele e aceitava seu carinho, com olhos tão sonhadores, de tal forma embevecida, que parecia gente. Apaixonada. E se ela saísse da foto e viesse me dar uma boas lambidas, dizer-me que estava percebendo que estava sendo admirada? Quis passar a mão em seu pêlo claro, que parecia um veludo! Qual seria seu nome? Raio de Sol? Sim, porque ela iluminava o campo com sua pose de star e, certamente, ofuscava o que em volta havia. Mas estava indiferente a isso. Só tinha olhos para seu dono e senhor.

Época de frio, aconchego, amor solto no ar, sensibilidade escapando e a felicidade dos dois estampada ali, bem pertinho. Foi então que bem compreendi o pecuarista Wilson Martins, “Só quem gosta de criação de animais entende essa paixão.”

À noitinha, chega a crônica do Artur da Távola, falando sobre o olhar de ternura do Bonner para a Fátima, via tv. Escrevi-lhe, de imediato, sobre a coincidência dos olhares e o bom amigo escritor incentivou-me, o que tomo a liberdade de transcrever: “Continue com o tema de sua crônica que é ótimo. Nunca interrompa a sua inspiração por razões externas a ela. Estas, são momentâneas. A crônica, permanente.”

E não consigo deixar de olhar para a vaquinha...



(01 de julho/2006)
CooJornal no 483


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br