04/03/2006
Número - 466

ARQUIVO
IRENE SERRA


Irene Serra  
  

Sons e sensações

 

Acordo com o silêncio. Apuro os ouvidos quase que levantando e rodando as orelhas como um gato. Nada... silêncio total em volta, uma paz infinita. Não tendo som nenhum para me prender a atenção, resolvi fixá-la no ressonar do meu marido. Não é que eu nunca o havia percebido? O ressonar, bem entendido... Caramba, será que ele está sentindo o mesmo, quietinho ali no seu lado da cama, uma enorme cama king porque somos espaçosos? Qual o volume do meu ronco, das minhas respirações profundas e tosses noturnas? Deus me livre, se eu tivesse me imaginado antes, nunca teria sido mesmo um pretendente a casar-se comigo!

Breu, escuridão. As persianas não deixam passar uma brechinha de luz. Que nada, é porque não há luz mesmo em volta. Abro a janela e vejo o céu pululando de estrelas. Penso que Helga, minha amiga astrônoma, gostaria de estar aqui. Que frio! O melhor é fechar a janela. Que horas devem ser? Como me levantar sem derrubar tudo pela frente? Enfim, consigo fazer as pazes com o sono e acordo dia claro.

O céu é imenso, nuvens dançando com a música que cantarolo. Passarinhos trinando no limoeiro da casa ao lado (que vontade de dar um pulo e pegar uns limões do vizinho) e outros na amoreira do outro lado (vou acabar virando atleta de tanto pular em pensamento!).

Onde todos aqueles “barulhos” tão meus costumeiros desde sempre? Onde a buzina do carro que sai da garagem às 6h, o motorista querendo que todos participem de sua vida atribulada? Onde o esguichar da torneira do tanque, aberta pela empregada que tem de acordar cedo para ir comprar o pão quentinho, antes que os malcriados da casa acordem?

Banho de cuia, porque o chuveiro elétrico ainda não está instalado, lá vamos nós à Embrapa, que doa 6 mudas, mensalmente, para cada casa. Eu queria um flamboyant. Conversa vai, conversa vem, o jardineiro que nos fora indicado pela atendente como o de maior conhecimento, me pergunta se não prefiro uma espatódia, mais apropriada ao tamanho do terreno que temos disponível. Concordei sem ter concordado!  Mas compensei trazendo, também, uma ameixeira, uma falsa murta e uma árvore da China, além da resedá que ficará na calçada.  Xi, vai ficar parecendo o terreno do  Pedro Paulo! Mas que vai ficar lindo, isso vai! Se não couber tudo, não tem importância, talvez fiquem bem no sítio. O importante é brincar com a terra, andar descalça, abrir a mangueira e aspergir água pelo gramado. Uma delícia de sensação!

Vendo a grama com mais mato que grama, pergunto ao jardineiro se ele conseguia tirar todo o mato daquela área de uma vez só. Percebo que devia ter ficado calada ao ouvir sua resposta:
- Não senhora. Quem tira o mato é o carroceiro. Meu trabalho é só carpir, capinar, plantar,  criar o ambiente do jardim.

Vou saindo de fininho...


(04 de março/2006)
CooJornal no 466


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br