22/04/2005
Número - 417




Irene Serra  
  

Metrópole
 

 

Nem de longe pense na cidade do Super-Homem! Vai errar feio!

Metrópole é um modesto mercadinho onde são vendidos laticínios e produtos secos em geral. Nada de frutas, verduras, carne, ovos ou congelados. Talvez haja outros em cadeia, mas deles não ouvi falar.

A ganância de seus gestores é fenomenal. Na porta há inúmeros cartazes, todos sobre o mesmo tema, alguns acumulativos: “Não aceitamos cheques”, “Não aceitamos tíquetes ou vale refeição”, “Não aceitamos cartão de crédito ou débito” “Não aceitamos cheques, tíquetes, vale refeição, cartão de crédito ou débito”, “Pagamento só com dinheiro”. Etc etc tal. Sendo sua tônica o não, esqueceram de acrescentar “Não devolvemos troco completo”, “Desconhecemos moedas de 1 centavo”, “Troco de 1 a 4 centavos pertencem à loja. Não reclamem!” Etc etc tal.

Por diversas vezes conversei com o gerente que é inconcebível não darem troco certo, já que não aceitam outra forma de pagamento que não seja dinheiro vivo. - E bota vivo nisso! O que sai da sua mão, foge, sai correndo e você não vê nem traço do que teria direito de receber de volta! – O gerente sempre responde, sorridente e amável, que foi casual, apenas daquela vez estavam sem troco. Só que esta casualidade é sistemática, nunca o troco aparece.

Comecei a observar que ninguém reclama, todos já se conformaram em não receber aquela “miséria”. Só que de 2 em 2 ou de 3 em 3 centavos por pessoa, no final do mês o bolo é razoável. Para quem vai este dinheiro que, a princípio, não pertence ao mercado? Garanto que nenhum asilo, orfanato ou qualquer instituição para carentes recebe este trocadinho.

Sendo a única opção de mercado que tenho no meu quarteirão, senão já teria procurado outro, faço marcação cerrada e exijo meu troco integral. O caixa, displicente, junta as notas com algumas moedas e me entrega. Confiro, digo que está faltando. Ele reconfere e afirma “Não, está certo!”. Mesmo ouvindo impropérios, não me incomodo com a fila que cresce atrás de mim e re-reconfiro em voz alta. “Faltam 3 centavos! Por favor, eu sou aquela que exijo o troco!” Ele procura daqui, procura dali – nesta altura vários já reclamam (comigo!) – e arranja os 3 centavos que miraculosamente apareceram. Quando realmente não consegue, me joga uma moeda de 5 centavos, como se estivesse fazendo favor e já vai logo acelerando minha saída, gritando “o próximo, o próximo!”.

E o próximo passa, indiferente ao que falta do seu troco. Mas quero ver se ele consegue pegar o metrô pagando R$2,22 ao invés dos R$2,25. O máximo que consegue é ficar na plataforma espiando o vai-e-vem, com os transeuntes a lhe esbarrarem por estar atravancando a passagem. Um programão!

Enquanto isso, nossa modesta "família" Metrópole vai forrando seu cesto para passeios melhores. Em poucos anos deverá ter acumulado o suficiente para uma ida ao exterior e aproveitar bastante do... dinheiro nosso de cada dia que não lhe pertencia. Aí, sim, às custas dos outros, um programão!


(22 de abril/2005)
CooJornal no 417


 

Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br