05/03/2004
Número - 410





Irene Serra  
  

Momentos difíceis

 

A mulher dá por si quando olha ao seu lado e vê que todos já dormem. Sente uma tristeza infinita. Tanta que não a deixa coordenar os pensamentos em seqüência lógica a fim de definir posições, tomar atitudes e, passo a passo, resolvê-las. Com a mente conturbada, sabe que não chegará a lugar algum se continuar no círculo vicioso em que se encontra. Precisa descansar e parar. Parar e descansar. Por onde começar? Só isso lhe vem à mente, mas novamente a roda a envolve, jogando-a no centro de um caldeirão prestes a explodir. Decisões, soluções. Não consegue mais carregar o que recai sobre seus ombros encurvados e doentes. O tempo urge e as idéias insistem em não aparecer. Em quê e onde errou? Conclui que falhou em quase tudo a que se propôs, senão não estaria naquela condição. Mas em quê? Onde? Este martelar não a abandona. Só sabe que algo precisa ser feito no agora. O amanhã deixará de existir, mesmo que seu corpo ainda esteja presente.

Fecha os olhos levemente, sonhando com tsé-tsé que poderia vir lhe trazer calma, um prolongado sono tranqüilo, paz. Para quê? Para acordar sabendo que perdeu momentos que lhe são imprescindíveis? Estática, percebe que por estar a sonhar, muito deixou de pensar no que realmente era necessário. Sente-se uma ladra! É o retrato do fracasso! Quem sabe a morte vem abençoá-la, para que não sinta tanta vergonha, tanto desespero? Mas também tem imenso medo da morte, da escuridão... O que quer, afinal?

A luz forte invade seu quarto. Mais um dia de trabalho e realizações para uns, expectativas e alegrias mais além. Sente-se feliz pelos que estão a crescer, pelo sucesso dos amigos. Nisso não muda: sempre o bem-estar de todos em primeiro lugar. Inúmeras vezes,  caem no vazio as reivindicações do marido pelas noites de sono mal dormido e pela responsabilidade que assume em prol dos outros

Em meio ao desânimo que ora a abate, não se reconhece. Então, surpresa, ouve aquela música conhecida desde a infância, pressente nitidamente a voz de seu pai, num sussurro, a encorajá-la, empurrando-a para a vida e a não temer o futuro.

Perde o ar cabisbaixo, as forças se restabelecem e, confiante, sabe que vai continuar a luta por seus ideais. A solução vai chegar! Esta certeza a domina por completo. Se subiu a montanha, antes de cair chegou a ver de mais perto o brilho do sol, sentiu com mais ternura a carícia na brincadeira dos ventos, viu o sorriso da água brotando entre as pedras a exclamar: - Bom dia!

Bom dia! É isso! Quem já teve tanto quanto ela? Sente-se plena: - Bom dia!


(05 de março/2005)
CooJornal no 410


 

Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br