13/11/2003
Número - 340





Irene Serra  
  

Ainda ontem...

 

Mal acabei de externar minha angústia em ver Mariazinha - minha babá Bibia – chegando ao seu fim, o destino me joga, de solavanco, em frente a um leito de hospital, onde vejo minha mãe e não posso deixar de chorar. Chorar? Eu deveria ter vergonha! Ali está ela a nos sorrir, brincar, dando injeção de ânimo aos filhos e passando-nos o “dever de casa”, delegando às amigas o exercício de suas atividades para que nada seja interrompido até que ela saia do hospital.

Começam os telefonemas à e da família, visitas, um ir e vir sem fim, mais um caminhão de recordações. E não posso me conter ao ver a repetição do mesmo ato falho de há 12 anos, quando em situação semelhante nos encontrávamos.

Naquela ocasião, Murilo marcara de me buscar no meu consultório, para vermos mamãe que tivera uma parada cardíaca após a colocação de 4 pontes de safena. Ir de Ipanema à Beneficência Portuguesa, no Catete, parecia uma viagem sem fim... E eu na portaria, esperando o danado do Murilo, que nem sempre é muito bom de horário. Ao ver o carro dele parando em minha frente, abri a porta abruptamente e estiquei o rosto para lhe dar um beijo. Que susto! Não era este o meu irmão.

Idiotamente, sem ter o que falar, iniciei o mais estapafúrdio diálogo, perguntando ao assustado motorista:

- Esse carro não é uma Belina?

- Não senhora, é uma Quantum.

- Ah, então não me serve!

E saí do carro naturalmente, como se nada houvesse acontecido. Por quê? Que loucura foi essa? Ainda bem que em instantes Murilo chegava...

Há alguns dias eu esperava este mesmo irmão para irmos ao Hospital São Lucas ver minha mãe, internada por dor de angina, após tantos anos sem ter problemas. - Faço aqui um parênteses para ressaltar que todos meus irmãos são dedicados e sempre prestativos, apenas, por força das circunstâncias, nós dois é que estávamos juntos em ambos os momentos. Eis que vejo seu carro chegando e, para aproveitar o sinal fechado, nele entrei rapidamente. Como sabia que minha cunhada iria conosco e ela ali não estava, perguntei:

- Murilo, Maria Helena não veio?

Um apavorado indivíduo responde, colocando as mãos no peito: - Não sou Murilo e nem conheço Maria Helena. Mas o que a senhora quer? Pode falar com calma, vamos nos entender!

Desculpei-me e saí de fininho, sem nem olhar para os lados. A impressão é que todos na rua estavam a me observar, tentando decifrar um enigma. E que o homem, no mínimo, pensara que ía ser assaltado.

Ah, minha mãezinha! Por favor, vamos sair logo deste hospital! Nós a amamos muito, estamos mortos de saudades! E esta sua filha está se mostrando um perigo nas ruas, a cada vez que a senhora nos dá um susto!
 

(13 de novembro/2003)
CooJornal no 340


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br