17/05/2003
Número - 315





Irene Serra  
  

EXTERMINANDO FORMIGAS

 

Apareceram de repente, formando uma trilha pela cozinha. Não havia remédio que as matasse e eu estava procurando novas fórmulas para conseguir acabar com elas de vez. Toda semana fazia uma experiência diferente, mas nada funcionava a contento. Naquele dia, usei novo preparado cuja garantia afirma eliminar estes insetos himenópteros em sua própria moradia.

Estava neste afã, quando, sem avisar, tocam a campainha. Entra, abatida, uma vizinha amiga. Quer conversar, trocar idéias. E, como não nego assistência, fiz da minha sala de estar um consultório. Explica que está meio confusa, pois lera uns bilhetes que escreveram para seu marido. Indago se conversaram sobre isso, ao que ela acrescenta que ele lhe dissera serem sem importância, de alguém do trabalho que insiste em procurá-lo. Rasga-os, então, acrescentando que nada há entre os dois e que ele já pedira a esta pessoa que não escrevesse mais, para afastar-se. E desabafa sobre seus conflitos, seus temores em relação ao futuro, ao trabalho, às dificuldades que está enfrentando.

Eu os conheço e sei que construíram um lar (quase) perfeito, onde amor e lealdade predominam. Fica difícil imaginar algum tipo de desentendimento. Meu pensamento dá uma volta e focaliza, no éter, o olhar do Luiz - para quem está chegando agora, é ele quem me faz tentar ser sempre melhor do que sou. Aqueles que conosco convivem sabem de nossa harmonia e do meu encanto a, apenas pelo olhar ou um simples sorriso, ele sentir o que penso e me estender a mão. Assim, também, procuro pequenos detalhes para fazê-lo feliz, em um amor transbordante que permanece em mim o mesmo desde que o conheci. Nunca tivemos uma briga, um levantar agressivo da voz. Marasmo? Não! Identificação! Somos amantes, amigos, cúmplices. O sexo é lindo, sem restrições ou barreiras. Mas também temos nossos problemas e dificuldades, que resolvemos conversando, não nos importando quantas vezes tenhamos que debater um determinado assunto. Enquanto ele fuma seu cachimbo – hum, que agradável este último tabaco que lhe dei! – fico vendo o balançar das folhas e os passarinhos que vêm da mata até nossa janela. Aqui é o paraíso!

Conversando... epa! Ao divagar, acabei por fazer em público uma declaração de amor e, por um instante, deixei de ouvir minha amiga! Volto a concentrar-me e a observo sofrida, aflita. Como quero animá-la! E sugiro, timidamente: Por que não chama seu marido para conversar novamente, mais a sério? Não há tempo a esperar, desnude-se. Perca o dia de trabalho, mas não adie a conversa. Ela parece aquiescer.

Despedimo-nos e retorno à cozinha. As formigas desapareceram, como por encanto. O veneno estava correto. E eu, feliz, cantarolo músicas da Bethânia, entre tantas das que ouvimos enquanto estamos trabalhando no computador, madrugada a dentro.

Alguns dias depois minha amiga retorna. Conto-lhe da minha satisfação ao comprovar o extermínio das formigas e ela diz a que veio: continuar a conversa anterior. Sento-me confortavelmente e ouço, incrédula, que há uma invasão da privacidade do seu lar com emails, cartas e telefonemas, mostrando que a intenção é tirar a paz – e o homem - daquela casa. O que orientar? O que lhe dizer, se tanto sofre por amor? Tento: É notório que todo ser fragilizado, o homem, principalmente, fica suscetível às investidas do sexo oposto. E é aí que a outra se aproveita, mostrando-se alegre, compreensiva, a verdadeira mulher para o seu futuro. E o homem lhe dirá que não é feliz, que não está bem, etc... aqueles chavões conhecidos e que só Adão não teve a oportunidade de dizê-los. Mas, como seu marido já lhe explicou que nada há, não permita que a outra destrua o relacionamento de vocês. O casamento é uma relação de confiança mútua. E, neste momento, a verdade passa a ser o que ele achar necessário que você saiba. Se preserva o casamento de vocês é porque a ama, portanto, creia nele como sempre o fez. Ruiu o castelo que construíram? Nunca! Ele foi apenas remoldado. A areia molhada fortaleceu a estrutura, a água solidificou novos desenhos. E quando acabar este tempo chuvoso e o sol novamente os levar à praia, verão as crianças nele brincando, a sorrir, felizes. E vocês recomeçarão, então, uma vida mais unida, mais perfeita, mais plena de amor.

Um barulho de chaves no hall social e ela se levanta num ímpeto, despedindo-se apressada, sem me deixar acabar de falar, e deixando minha porta entreaberta. Enquanto vou fechá-la, vejo-os arrulhando, abraçados e constato que ali está ele, voltando de onde nunca havia partido!



(17 de maio/ 2003)
CooJornal no 315


Irene Vieira Machado Serra
professora, foniatra, psicóloga, editora da Revista Rio Total
RJ 

irene@riototal.com.br