03/11/2020
Ano 23 - Número 1.195
 


ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


CARLOS NEJAR, NOSSO POETA-MOR

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal



“Subir é depurar-se”


Carlos Nejar é considerado o maior poeta da literatura brasileira contemporânea. Foi apontado como um dos 37 escritores referenciais do Século XX. Gaúcho de Porto Alegre, fez a carreira do Ministério Público, aposentando-se como Procurador de Justiça. Transferiu-se para o Espírito Santo, fixando-se em Guarapari e depois no Rio de Janeiro, onde reside na sua “Casa do Vento”. É membro da Academia Brasileira de Letras (Cadeira número 4), da Academia Brasileira de Filosofia e da Academia Espírito-Santense de Letras. É poeta, ficcionista e historiador da literatura brasileira. Tem numerosos livros publicados, inclusive em Portugal, e recebeu os mais importantes prêmios nacionais. Sua obra tem sido traduzida para vários idiomas. Estudou nas principais universidades do Brasil e do exterior. É considerado um inventor incansável e transita por todos os gêneros: dramaturgia, poesia, romance, conto, ensaio, infanto-juvenil e história da literatura.

Dentre suas obras, avulta “A Idade da Aurora: a Fundação do Brasil”, rapsódia épica do nosso país. Segundo Oscar Gama Filho, “Em “A Idade da Aurora”, Nejar sentou nos ombros de James Joyce e de Guimarães Rosa. Assim ombreado, equiparou-se a eles. Este é o seu melhor livro, uma obra-prima que lhe garante vaga na imortalidade ao lado de ambos, com quem passa a compor a santíssima trindade do romance.”

O crítico equipara Nejar a Joyce, um dos maiores escritores de todo o mundo, talvez ao lado de Proust, e a Guimarães Rosa, o ponto alto das letras nacionais. O poema mencionado é a história poética do Brasil, uma obra sofisticada e reveladora de ilimitada criatividade.

Outros críticos de renome se manifestaram de maneira positiva sobre o livro, entre eles Gilberto Mendonça Teles, Virgilio López Lemus, César Leal, Abgar Renault, José Saramago, José Jorge Letria, Fábio Lucas, Gustav Siebenmann, Fernando Py, Lênia Márcia Moncelli, Donaldo Schuler, Sérgio Ribeiro Rosa e Luciana Stegagno Picchio.
 
Colhendo ao acaso, anotei alguns versos que ficaram bailando na minha memória:

Na aleluia da luz mais exata
Ir vivendo é ir soprando as coisas
Até que um Brasil sobre o chão despertasse
Liberto é o que na alma varia
Deus era a sua maior intimidade
Mesmo sem a usança da língua, nesta estranheza de
onde manam os alfabetos
Inventar não; é o só vivendo
Ir além é o que importa
Amor é quando a graça sobe os píncaros
E nem percebe mais o que fazer com os vasos do
coração regados
Dos olhos ao coração é um til, um trim
O amor é o arco-íris, o arco-velo do vento
Amor se é verde, dói
Viver é ir caindo no vivido
Mais bela é a espada, quando guerreada
E a infância não sabe nada, nada de si mesma


* * *


Outro livro de grande destaque é “A Árvore de Deus”, publicado em Portugal. Aqui o poeta se revela o místico que é, sempre com os olhos e o coração voltados para Deus, presente em todo o longo poema.

a ponto de não carecer de nome
o amor. Já sai de mim
como a borboleta
do casulo saiu no voo.”

“Deixei de morrer
assim que vi Deus.”

“Eu me movo em Deus.”

Misticismo que se revelará em outros tantos poemas.


* * *


Ainda no campo da poesia, merece especial referência o volume “Os dias pelos dias”, reunindo três livros: “Canga”, “O poço do calabouço” e “Árvore do mundo”, compondo um conjunto impressionante de mais de trezentas páginas.

O primeiro deles contém a saga de Jesualdo Monte, trabalhador geral nas cangalhas do espanto porque é um burro (de carga?), carregando os ossos porque em volta dele o mundo apertou as suas cinchas. Porque Jesualdo Monte galopa, galopa, e não se esconde, está vivo e morto.

“Canga” enternece, revolta, choca. É um brado em defesa do social.

O segundo livro inicia criando um clima sufocante, depois infunde o medo e invoca a liberdade, porque “sem ti nada mais sei.” Ela traz o alívio. O poeta conduz o leitor para onde quer, manobrando seus sentimentos como um guia.

No terceiro livro, por fim, a variedade de temas que atraem e encantam.

Como escreveu o crítico Adriano Espínola, a trilogia “é um dos mais altos momentos da lírica participativa da língua portuguesa dos últimos tempos. Participativa não só do drama político, mas também da vida cotidiana, da “dor geral” e particular do ser humano na sua “ciência maior de estar vivo.”

“Os dias pelos dias” é um marco da poética brasileira.

Tristão de Athayde, Antônio Houaiss e Eduardo Portella, três pesos-pesados da crítica nacional aplaudiram Nejar.


* * *


Ingressando pelo campo da prosa-poética, Nejar publicou “Carta aos loucos” e “O evangelho segundo o vento.”

Creio que o primeiro é um de seus livros mais conhecidos. Nele, o autor “aponta o rio da memória em que o realismo mágico necessita desembocar. Não basta mais expor a realidade pelos seus excessos, mostrar o impossível, o fantástico. “ Como disse Paulo Coelho, é a sábia e inovadora loucura de Nejar.

O segundo começa com uma proposição e uma indagação: “Ninguém simula o mundo, se ele é sempre o mesmo. Ninguém simula nada; as coisas passam de uma aparência a outra. Tal um rio. E como conseguiremos segurar o que sempre nos foge?” Mergulhando nessas páginas o leitor encontrará a resposta ou, pelo menos, a sua resposta.

Esta é uma breve notícia sobre parte da obra de nosso poeta maior, sem pretensão analítica ou interpretativa. É um convite para a leitura da produção de um poeta personalíssimo e incansável criador de cosmogonias, como o definiu um crítico.

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br  



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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