16/07/2020
Ano 23 - Número 1.181
 


ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


CINQUENTA ANOS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Numa dessas manhãs de isolamento fui acordado pelo telefone. Na outra ponta da linha falava Nêodo Filho, que conheci menino, cujo pai, Nêodo Noronha Dias, é meu amigo desde os tempos acadêmicos, em Florianópolis. Para minha surpresa, comunicava ele que o prefácio que fiz para o livro do pai, em 1970, acabava de ser publicado. Nêodo pai guardou aquelas páginas durante 50 anos, ou seja, por meio século, e as publicou no livro “Só Poesias” (Editora Viseu – Paranavaí/PR – 2020), reunindo boa parte de sua obra poética. Curioso por ver como eu escrevia naquela época e saudoso dos velhos tempos, abri o volume e me deparei com o seguinte texto:

PRÓLOGO
O AUTOR E SUA OBRA(*)

Um prólogo, a rigor, deveria ser uma breve introdução à obra.

A experiência, entretanto, demonstra que tanto melhor compreendida e julgada é a obra quando se tem algum conhecimento prévio sobre o autor, sua formação, sua personalidade.

Eis porque deixo a obra à análise dos críticos e à apreciação dos leitores, fixando-me, principalmente, no seu autor.

Nêodo Noronha Dias não é mais um estreante na poesia. Santa Catarina, onde ele viveu tantos anos –, ora fustigado pelo vento sul, ora aquecido pelo sol dourado da querida Florianópolis –, já o conhece por meio de suas publicações nos principais jornais e dos programas radiofônicos de nossa capital.

Sua sensibilidade poética e seu incontestável talento literário são reconhecidos por quantos conhecem suas produções.

Extravasando as fronteiras estaduais, viu gravados na cera (**) alguns de seus sonetos, na voz de famoso produtos carioca de conhecido programa de rádio (***).

No Paraná, para onde o levou o itinerário de sua vida, suas poesias também enriqueceram alguns jornais.

Outros gêneros literários preocupam também a sua atividade criadora. É autor de numerosos contos, novelas e crônicas, sempre naquele estilo tão seu, tão pessoal, de enredo curto e desenlace trágico.

Nêodo é, aparentemente pelo menos, um espírito alegre. Sua alegria talvez esconda, como em quase todo poeta, a amargura que transparece em suas poesias.

No entanto, brinca com a vida; faz trocadilhos dos seus revezes; ridiculariza as situações que ela cria. Só não brinca com sua arte, uma arte em que é tão difícil acreditar nos dias que correm. Nesse particular é exigente e sério. Tudo reclama de si mesmo para buscar com seriedade e constância a perfeição da forma e a limpidez do conteúdo.

Sua poesia é o retrato fiel de um estado de espírito, é fixação definitiva de um sentimento real, é demonstração evidente da palpitação interior de um poeta que sofre com os males do mundo, cujas mazelas é obrigado a aceitar na vida cotidiana colocada em plano tão inferior em relação à existência artística.

Rebela-se contra a mesquinha condição humana. É dessa vida vazia que ele faz troça, é do dia a dia que ele zomba.

Duas facetas no temperamento do poeta, porque Nêodo é poeta até sem querer. Até aqui seus poemas apareceram em periódicos, onde são lidos hoje para serem esquecidos amanhã.

Agora surgem neste primeiro livro. (****) marco inicial de sua carreira que já se esboça promissora. O livro ficará . Irá para a estante do intelectual, para as bibliotecas, para o recesso dos lares. É uma vida que se inicia, com sua própria trajetória, independente da vontade de seu autor.

Depende apenas de uma condição: da aprovação unânime dos leitores. Aprovação que não titubeamos em prever porque o poeta realmente a merece,

Nêodo, consagrado pelos leitores, há de chorar. Mas, percebendo a pureza dos sentimentos que transmite a outros corações não lamentará os espinhos que ferem, a cada poema, sua sensibilidade artística.

E o leitor verá com ele que:

“Todos vão notar que é sobre espinhos
e não por fantásticos caminhos
que o homem chegará aos pés de Deus!”


Campos Novos - SC
_________________

(*) O Prólogo foi escrito em 1970 quando foi pensado o livro. Decidimos não o alterar mantendo a originalidade do texto.
(**) Em Discos de Vinil.
(***) Colid Filho – Salão Grená – Programa que era levado ao ar pela Rádio Tupi do RJ nos idos 70/80.
(****) De fato, este deveria ter sido o primeiro livro, no entanto ficou aguardando um momento mais oportuno. Outro livro foi publicado antes deste. O primeiro, “Lira de Quatro Luas”, saiu nos anos 80, por obra do apoio da Fundação Cultural de Paranavaí, e também uma participação na coletânea publicada pelo Diretório Acadêmico Tristão de Athaíde (DATA), nos anos 70, “Seara Nova”, foram precursores. Assim, atualizando o texto de Athanázio, este é o segundo livro do poeta.

__________________________

Agora, uma mostra da poesia de NNDias:


A VIDA QUE NÃO FOI

Ouves? É o vento gélido que chora.
O mesmo vento que te viu menino.
O vento eterno a murmurar agora,
seguindo noite a dentro seu destino.

Aquela luz que prateia a mata,
é a mesma luz dos sonhares teus...
E se te foi a vida tão ingrata,
medita um pouco pois existe Deus!

Não te lamentes feito o vento errante
que em noite escura assusta o caminhante
a se arrastar eternamente ao léu.

Sorri, medita, olha o céu sereno.
Olhando ao céu te sentirás pequeno.
Sentir-te-ás pequeno olhando ao céu!

(P. 82)
 



Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br  



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC





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