16/05/2018
Ano 21 - Número 1.077

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio

SAVARY: A AMAZÔNIA E A URBE

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

“Amo o assunto indígena!”
(Olga Savary)


Olga Savary é poeta universal mas não se desliga jamais de suas origens amazônicas. Nascida em Belém do Pará, gosta de lembrar que teve uma bisavó índia. Sua poesia, em grande parte, se estriba em temas amazônicos, região que ela conhece por dentro e por fora. A cultura regional, a formação e a psicologia de seu povo, o modus vivendi, os problemas de natureza social e tudo que respeita à imensidão da floresta repercute de forma artística em seus versos cuja estética é sempre ressaltada pela mais categorizada crítica. O fundo telúrico de sua poética contracena com a sensualidade que permeia importante parcela de sua produção. O telurismo e a sensualidade, o amor à terra e ao ser humano são as vigas mestras de sua obra.

Não obstante, sua vivência urbana no Rio de Janeiro, também a colocou em destacada posição no meio cultural, literário e social. O escritor Ruy Castro, em livro de sucesso, lhe dedicou todo um verbete onde aponta suas realizações e o espírito de liderança com que ela promovia os mais diversos eventos. Segundo o autor, Savary foi a criadora do “mito” de Ipanema. “Este se criou a partir das festas pré-carnavalescas da poetisa Olga Savary, então casada com o cartunista Jaguar, em fins dos anos 50. Foi nelas que as diversas turmas se agruparam e veio à tona, publicamente, a Ipanema boêmia, excêntrica e criativa que, na década de 60, se tornaria a “Ipanema” oficial” (*).

Segundo o mesmo autor, as festas cresceram, tomaram o bairro, a cidade e, “quando se viu, o Olimpo.” Decidida e organizada, a poeta era “a mentora intelectual, produtora e responsável por tudo.” Agarrada ao telefone, convidava jornalistas, escritores, poetas, cartunistas, atores, artistas plásticos, as grandes mulheres, a turma da praia e os amigos. (Conhecendo o espírito carioca, imagino que não faltavam “penetras”). Músicos amadores levavam seus instrumentos e compunham a orquestra. Cada um dos participantes levava sua bebida. E assim, num clima alegre e descontraído, a festa se transformava num evento cultural cujas notícias logo ganhavam todo o país e mereciam a cobertura da imprensa.

As festas de Olga cresceram tanto que não cabiam mais em casas particulares e passaram a ser realizadas em bares, restaurantes e até mesmo em teatros.

Outro feito de Olga, muito comentado na época, foi a disseminação da expressão “dicas”, ou seja, indicações de locais, restaurantes, bebidas, preços e tudo o mais. Trouxe a palavra para a letra impressa e hoje está dicionarizada com crédito para ela.

Mesmo ativa e ocupada, nunca a paraense se afastou das letras e continuava produzindo bastante e bem. Recebeu o Prêmio Jabuti e publicou as Obras Completas, na verdade nada completas porque continuou produzindo, como faz até hoje. Também se tornou conhecida como protetora de escritores e poetas iniciantes, espécie de madrinha dos novatos. Não são poucos os que muito lhe devem.

Em 2016, em primorosa edição artesanal de Mac/Feira, ela publicou o livro “Ara”, coletânea de poemas, fato que considerou uma honra porque são volumes feitos à mão, um a um, mediante uma escolha criteriosa e exigente. “Ara”, em tupi, significa luz, dia. O livro se divide em cinco partes, partindo da gênese em busca da essência. Os poemas contemplam a origem, o índio, a iara, a mulher, a nudez, a erótica, a água, o mar, o rio, a poesia e, enfim, a vida. Culmina no poema-título, dizendo: “O dia não está/ pra peixe, o dia/ só serve à poesia.” Porque é a poesia que salva, revigora, eleva.

Em 1955, homenageando Savary, Carlos Drummond de Andrade compôs o poema

MIRAGEM

Chegou, impressentida e silenciosa,
com uma saudade eslava nos cabelos
e um ritmo de crepúsculo ou de rosa.

Os olhos eram suaves, e eis que ao vê-los,
outra paisagem, fluida, na distância,
sugeria doçuras e desvelos.

No coração, agora já sem ânsia,
paira a serenidade comovida
que lembra os puros cânticos da infância.

Logo depois se foi, mas refletida
nesse espelho interior, onde as imagens
se libertam do tempo, além da vida.

Olenka permanece, entre miragens. (**)

 

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(*) “Ela é carioca”, Ruy Castro, S. Paulo, Cia. das Letras,
1999, p. 277;
(**) Olenka é diminutivo de Olga, em russo.





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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

 



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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