15/04/2018
Ano 21 - Número 1.073

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio

QUEM CONHECE A TANZÂNIA?

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


Quase desconhecida no Brasil, a Tanzânia é um importante país da África Oriental, situado na costa do Oceano Índico. Tem uma área territorial de 939.760 km2 e uma população estimada em 25.635.000 habitantes (1). Seu idioma oficial é o swahili, um dos mais importantes do continente africano, falado por cerca de 50 milhões de pessoas, e em regiões de outros países, como Quênia, Uganda, Ruanda, Burúndi, Zaire, Zâmbia, Moçambique, Comor e Madagáscar. Originário do árabe, o nome significa costa. Foi a língua falada nas costas da África Oriental (2). O inglês também é usado no país.

A Tanzânia foi a antiga Tanganica, colônia e depois protetorado da Inglaterra. Tinha sua capital em Dar-as-Salaam, a maior cidade do país e importante porto marítimo que serve, inclusive, a outros países africanos. Mais tarde foi construída a nova capital, Dodoma, situada no centro do país.

Conquistada a independência, depois de longa e penosa luta para se livrar do colonialismo e vencendo as tramas e manobras da Inglaterra, Tanganica se uniu a Zanzibar e constituiu a República Unida da Tanzânia, em 1964. Zanzibar é constituído de um arquipélago situado na costa tanzaniana, composto pelo próprio Zanzibar e pela ilha de Pemba, além de outras ilhotas circundantes. É um território semi-autônomo, que elege seu presidente e seu legislativo. Segundo os africanistas, essa união dos dois países foi a única que prosperou e se consolidou no território africano.

O novo país logo se consagrou como vanguardista, tomando posições claras contra o colonialismo, o neo-colonialismo, o apartheid e todas as formas de preconceito e discriminação. Numa atitude arrojada e pioneira, implantou um regime socialista sui generis, não inspirado em Marx ou Lênin, mas com raízes nos costumes ancestrais das comunidades populares onde tudo pertencia a todos, inclusive a terra, que podia ser cultivada, embora não fosse permitida a propriedade. Era considerada um bem comum. Caso a gleba não fosse usada, revertia à comunidade. Não se discutia a luta de classes, mesmo porque não existiam classes nas organizações tribais do país.

Colocou em prática também uma reforma agrária tão ampla como jamais havia acontecido em qualquer ponto do globo e que atingiu milhões de pessoas. Como a população fosse muito disseminada e percebendo que nessas condições o Estado não poderia lhe dar assistência de maneira eficaz, adotou o sistema chamado “vilagização” (vilagization), consistente em reunir as famílias em vilas, facilitando-lhe assim o acesso à educação, saúde, assistência social e tudo o mais. Em consequência, numerosas famílias formaram incontáveis vilas espalhadas pelo país. Também foram criadas as fazendas comunitárias. Todo esse processo foi executado através da persuasão e do convencimento, sem violência, salvo em casos extremos de recalcitrantes que colocavam em risco o programa. O convencimento da população se fez através do partido único, cujos integrantes se entregavam a esse trabalho de catequização. Usavam métodos democráticos para a obtenção dos resultados.

País agrícola por excelência, a Tanzânia busca sem cansaço a autossuficiência num regime que procura promover uma justa distribuição da riqueza nacional. Como nem tudo transcorreu conforme o planejado, inclusive em decorrência de crises internacionais e fatores climáticos, como longas secas, foram feitas concessões, a exemplo de um acordo financeiro com o FMI, sem, contudo, desfigurar o sistema.

Ao longo de sua história contemporânea, desde a independência até a consolidação de suas linhas básicas de ação, a Tanzânia contou com a clarividência de um líder carismático e de grande prestígio político e envergadura moral: Julius Kambarage Nyerere (1922/1999). Presidente da República e do Partido, governou o país com segurança e clareza de objetivos, projetando-se inclusive como líder africanista e condutor seguro de seus povos. Ficou conhecido como Mwalimu (professor).

Todas estas considerações foram inspiradas pela leitura do excelente ensaio “Ujamaa – O socialismo africano: o modelo da Tanzânia”, de autoria de William Agel de Mello, escritor e diplomata, publicado no terceiro volume de suas Obras Completas (pp. 7 a 166). É um trabalho de fôlego, escrito por quem domina os temas africanistas e conhece a Tanzânia por dentro, abordando os mais variados aspectos daquele país, inclusive em suas relações internacionais, até mesmo com o Brasil. Conhecedor de imensa bibliografia assinada por reconhecidos especialistas, na grande maioria estrangeiros, William Agel de Mello presta um grande serviço ao divulgar um país tão interessante e pouco conhecido. De minha parte, confesso que ele contribuiu de forma decisiva para ampliar meus horizontes geográficos.

William Agel de Mello, além de consumado africanista e linguista, é autor de dicionários e inspirador do idioma Panlatino, uma espécie de fusão das línguas originárias do latim. Também escreveu substanciosos ensaios sobre a independência da Namíbia e a dissolução do apartheid na África do Sul.

Segundo Carlos Baker, o mais categorizado biógrafo de Ernest Hemingway, o segundo filho do escritor, Patrick, adquiriu uma fazenda no lugar chamado John’s Corner, na região central da antiga Tanganica. E o livro do escritor “As verdes colinas de África” é ambientado na mesma região das partes altas do país.


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(1) - Atlas Geográfico Mundial, Folha de S. Paulo/The New York Times, 1993, pp.74 e 149;
(2) - William Agel de Mello, op. cit., p. 503. .

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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

 



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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