Enéas Athanázio
UMA HISTÓRIA DE ÓDIO E RESISTÊNCIA
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Maura
Palumbo, advogada e empresária paulista, vem se dedicando há muitos anos ao
estudo da II Guerra Mundial e ao holocausto provocado pela chamada solução
final do problema judaico. Tornou-se uma expert no intrincado assunto e
agora vem colocando em livros os resultados dessas intensas pesquisas. Sua
primeira obra abordando o tema é o romance de fundo histórico “O perfume das
tulipas” (Duna Dueto Editora – S. Paulo – 2017), que acabo de ler com
intenso e crescente interesse. É um livro alentado (350 páginas) que prende
o leitor do começo ao fim. Fica claro que a autora tem o fôlego e a
paciência indispensáveis para os textos longos como os romances. Não é por
acaso que já se anuncia a segunda edição do livro.
Na cidade de
Berlim do início do século passado vivia em paz uma família. O marido,
holandês de nascimento, cultivava com o maior carinho um canteiro de
tulipas; a esposa, pintora de mérito e modista, se dedicava também às
atividades domésticas. O gosto pelas tulipas soava algo estranho porque tais
flores são reconhecidas mais pela beleza que pelo perfume. Todos eram
cidadãos alemães e alguns de seus parentes haviam lutado na I Guerra Mundial
pela Alemanha e até pereceram em combate. Consideravam a Alemanha sua pátria
e nela viviam e labutavam como quaisquer outros nativos do país. Mas eram
judeus e isso marcaria seu destino, submetendo-os ao ódio desvairado e ao
medo constante, exigindo imenso esforço para resistir e tentar a
sobrevivência.
Eis que surge no horizonte uma nuvem ameaçadora. Adolf
Hitler começa a ganhar espaço no panorama político com sua pregação
nacionalista e ataques aos judeus, a quem atribuía todos os males do país em
crise. Ganha adeptos, lança suas ideias a respeito do espaço vital e insinua
a necessidade de uma vingança contra os que derrotaram a Alemanha na I
Guerra Mundial, rebaixando-a e humilhando-a. Na prisão, onde esteve por
alguns meses, escreve sua cartilha nazista, o “Mein Kanpf”, que é difundido
à larga. Judeus mais precavidos, prevendo o pior, tratam de emigrar para
lugares seguros. Mas a família em questão é patriota e continua em sua vida
normal. O Partido Nacional Socialista, embora perdendo as eleições, já é o
segundo do país e não cessa de crescer. Vai conquistando mais e mais
seguidores. Em 30 de janeiro de 1933 o presidente Hindenburg nomeia Hitler
chanceler da república. Em março o chanceler assume o total controle do
governo com poderes ditatoriais. O medo se instala no coração de todos os
judeus, apontados como inimigos da nação. Começam a entender que não há mais
lugar para eles no país.
As restrições às atividades dos judeus vão
num crescendo incontrolável e absurdo. Funcionários públicos dedicados são
enxotados de seus cargos, professores e profissionais liberais proibidos de
exercer as profissões. Todos os meios são usados para marginalizar os
judeus, menosprezados e humilhados em toda parte. A pregação contra eles é
constante, maciça, verdadeira lavagem cerebral. Queimas de livros de autores
judeus acontecem em macabros autos-de-fé. Obras de Sigmund Freud, Albert
Einstein, Karl Marx, Nelly Sachs, Thomas e Heinrich Mann, Walter Benjamin,
Alfred Kerr, Robert Musil e Ricarda Huch, além de muitos outros, ardem nas
fogueiras. Não importa o que contenham e o valor de suas lições. São
maculados pelas mãos judaicas que os escreveram. É o desvario do ódio e da
intolerância.
No plano exterior a guerra vingadora prosseguia
vitoriosa. Os exércitos de Hitler dominavam países com extrema facilidade e
tudo indicava que dominariam o mundo. Áustria, Tchecoslováquia, Holanda,
Bélgica, Grécia, Iugoslávia, França... tudo sob o domínio do Fuhrer. O mundo
tremia ante a perspectiva de uma dominação global pelas tropas germânicas. É
declarada a guerra contra a União Soviética, cuja derrota estava prevista
para cinco meses com a destruição de São Petersburgo. Mas uma coisa é
planejar a guerra num gabinete, outra é encarar a realidade. Então tudo
começa a mudar. A resistência russa é espantosa. Os Aliados, por sua vez,
invadem a Normandia e as tropas alemãs começam a sofrer derrotas. O curso da
guerra começa a virar.
Nervosos e agitados, os dirigentes alemães
intensificam a solução final. Crescem as deportações, os campos de
concentração e extermínio funcionam a pleno vapor e milhões de judeus são
executados. Homens, mulheres, crianças, velhos, doentes, ciganos,
deficientes, doentes mentais viram fumaça ou são sepultados em valas comuns.
Figuras sinistras comandam o grotesco esforço para aniquilar uma raça. Mas a
derrota é inevitável, os bombardeios sobre Berlim são terríveis e as tropas
soviéticas se aproximam de Auschwitz. Cumpre, então, destruir os vestígios
da matança e todas as medidas são tomadas nesse sentido, entre elas a marcha
forçada de seres desesperados e famintos. É tarde, porém, e a rendição
acontece.
Padecendo toda sorte de sofrimentos, a família de Zacharias
Von Hart luta pela sobrevivência. Vale-se de toda sorte de expedientes para
fugir dos perseguidores. E o desfecho do romance é imprevisível, deixando o
leitor em permanente suspense. “Um dia todos sentirão o perfume das tulipas”
– vaticinava ele.
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e.atha@terra.com.br
(1º de outubro, 2017)
CooJornal nº 1.047
Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC
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