15/08/2016
Ano 20 - Número 996

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


DOS TEMPOS DE DANTES

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

A média de vida, no Brasil, foi muito curta. Até alguns anos, os brasileiros em geral viviam pouco, salvo as exceções de praxe. Essas lembranças me ocorrem ao contemplar, aqui ao meu lado, um livro de grande volume (771 páginas) que me foi oferecido por um amigo paulista que o encontrou num “sebo.” Trata-se de Vocabulário Jurídico, de autoria de Augusto Teixeira de Freitas (Sênior), publicado pelo célebre Garnier – Livreiro-editor, com sede à Rua do Ouvidor, 71, no Rio de Janeiro, em 1883. Lembrando que foi escrito à mão, ainda com pena de molhar no tinteiro, é de imaginar a dedicação e a paciência necessárias, além do tempo dedicado a tão exaustivo trabalho pelo seu Autor. Note-se ainda que é apenas uma das múltiplas obras de sua autoria. E, no entanto, Teixeira de Freitas viveu apenas 67 anos (1816/1883). É de perguntar como ainda encontrou tempo para passear, viajar, namorar, casar, conviver com os filhos e amigos, viver, enfim.

Teixeira de Freitas foi o grande jurista do Império, como Clóvis Beviláqua foi da primeira República. Ele foi o autor da Consolidação das Leis Civis, de 1858, que funcionou como verdadeiro Código Civil brasileiro até a entrada em vigor do primeiro Código Civil, em 1917. A pedido do governo, apresentou depois seu Esboço de Código Civil, mais tarde dividido em duas partes, e que foi rejeitado em virtude de “sua concepção parecer avançada demais para a época.” O mais curioso, porém, é que esse Esboço iniciou carreira própria e se expandiu pelo mundo. Numerosos de seus dispositivos integraram o Código Civil Argentino, depois adotado pelo Paraguai, e o Código Civil do Uruguai também nele se inspirou. Em legislação de outros países latino-americanos têm sido apontados dispositivos dele retirados, como também aconteceu na Alemanha, na França, na Suíça, na Rússia, na Itália, no Japão e na China. Em detalhado levantamento, Sílvio Meira, seu biógrafo, mostra o sinuoso caminho seguido pelo pensamento e pela obra de Teixeira de Freitas em sua difusão.

Mais curioso ainda é que Teixeira de Freitas se dedicava ao Direito Privado e acabou sendo o mais universal de nossos juristas, incluindo-se entre os precursores do Direito Internacional Público entre nós.

Neste Vocabulário Jurídico, com milhares de verbetes, cada um deles é estudado em minúcia, qual pequeno ensaio. Imagine-se o quanto de pesquisa, leitura e pensamento isso exigiu, tudo feito no intuito de facilitar a vida dos profissionais do Direito. Completam o volume vários apêndices contendo textos e leis referidos no correr da obra.

Folheando essas vetustas páginas, saltam aos olhos algumas curiosidades. Os empresários, por exemplo, eram homens de negócio; a falência se chamava bancarrota; a excomunhão constituía assunto jurídico em face da união igreja/estado; existiam o arresto do príncipe e a arribada. Em compensação, aforamento, enfiteuse e laudêmio não existem mais, o que me lembra o quanto queimei as pestanas para aprender seus conceitos. Para encerrar com uma nota atual, advirto que o Vocabulário não contempla o verbete “impeachment” e nem tampouco impedimento com idêntico sentido. É que o Direito da época imperial ainda não conhecia esse instituto. Imperadores só poderiam ser apeados do cargo de duas formas: golpe ou revolução. Em caso de fracassos, os cabeças tinham exata noção do que os esperava. Frei Caneca e Tiradentes que o digam!


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e.atha@terra.com.br

 

(15 de agosto, 2016)
CooJornal nº 996



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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