01/08/2016
Ano 20 - Número 994

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


UM CANGACEIRO DIFERENTE

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

O mundo do cangaço é repleto de surpresas. Fenômeno típico brasileiro, esse banditismo organizado e característico fascina pesquisadores e curiosos e revela aspectos inusitados e figuras das mais curiosas. Entre estas se destaca o caso de Jesuíno Brilhante (1844/1879) que se orgulhava de não ser ladrão e foi considerado pelos estudiosos um cangaceiro romântico. Ora, o cangaço se nutria do roubo, do furto, do assalto e da extorsão, de forma que encontrar um de seus expoentes, chefe destacado de bando, que foi romântico e não se apropriava do alheio parece algo impossível. Mas foi essa a imagem que deixou.

Jesuíno Alves de Melo Calado nasceu no sítio Tuiuiú, na localidade de Patu, no Rio Grande do Norte, de uma pacata família de agricultores. Em virtude do furto de uma cabra, gerou-se um conflito entre sua família e o numeroso clã dos vizinhos conhecidos como Limões. Enquanto os Alves de Melo eram brancos (“marinheiros”, de olhos azuis), os Limões eram negros, o que contribuía para acirrar os ânimos, ainda em época de escravidão. Os brancos recebiam o tratamento depreciativo de “amarelos”, enquanto os outros eram rotulados com desprezo de “cabras”.

O desentendimento degenerou em guerra franca e os ataques recíprocos se sucederam. A velha politicalha interferiu em favor dos Limões e a vida de Jesuíno se tornou impossível na região. Abraçou então o cangaço e em pouco tempo já chefiava poderosa quadrilha. Em homenagem a um tio, cangaceiro célebre, adotou o nome de Jesuíno Brilhante, com o qual se celebrizou. Segundo a voz do povo, tornou-se o protetor dos pobres, das famílias, dos fracos e das moças seduzidas. Tirava dos ricos para distribuir entre os pobres. Obrigava os sedutores a casar e atacava os comboios de provisões do governo, nos períodos de secas, para distribuir entre os famintos. Virou, em suma, uma espécie de Robin Hood matuto e foi louvado pelos cantadores das feiras e mercados na literatura de cordel. Descobriu uma gruta na encosta de uma serra e a transformou em fortaleza inexpugnável de onde fazia frente a numerosas volantes policiais – a famosa Casa de Pedra.

O cangaceiro foi morto em virtude da traição de um seleiro a quem havia feito uma encomenda e sepultado em cova rasa no próprio local. Anos depois, um médico, amigo dele, exumou os restos mortais e levou a caveira. Mais tarde ela foi entregue ao célebre psiquiatra Juliano Moreira. E desapareceu sem deixar vestígio porque “caveira não tem letreiro.”

Dois foram seus feitos mais notáveis. Com um grupo de oito cangaceiros, atacou em pleno dia a cadeia de Pombal, na Paraíba, destruindo-a e libertando 43 presos, entre eles seu irmão Lucas. Um ano antes, com dez homens, foi à cidade de Imperatriz, hoje Martins, para buscar uma moça “depositada” na casa de um figurão local. Cercados pela polícia e cidadãos armados, fugiram ilesos de maneira cinematográfica. Para isso, arrombaram a parede que ligava à casa contígua e desapareceram na escuridão da noite. Ambos os episódios tiveram intensa repercussão e até o governador do Estado determinou “prontas providências.”

Também merecem referência as “visitas” que fazia à cidade de Mossoró, afrontando a tudo e a todos enquanto o sertão fervilhava de escoltas policiais à sua procura.

Jesuíno Brilhante, segundo os estudiosos do tema, ainda exercia o cangaço com certa ética, coisa que Antônio Silvino e Lampião, seus sucessores, ignoraram. Conta-se que certa vez pediu a um fazendeiro rico uma quantidade de dinheiro, um cavalo e uma vaca, tendo o proprietário negado e dito que, se ele quisesse, pegasse com suas próprias mãos. “Eu não sou ladrão!” – gritou Jesuíno, indignado. Montou no cavalo e se foi. Como afirmou Gustavo Barroso nenhuma comparação entre ele e os outros cangaceiros é possível.

O cangaceiro romântico tem sido estudado pelos maiores nomes do folclore nacional, como Luís da Câmara Cascudo, Gustavo Barroso, Múcio Leão, Lauro Escóssia e Raimundo Nonato, autor do excelente livro “Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro Romântico”, edição fac-similar da Editora Sebo Vermelho (Natal/RN).


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

 

(1º de agosto, 2016)
CooJornal nº 994



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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