15/07/2016
Ano 20 - Número 992

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


EU, LAMPIÃO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal



Comentar livro bom se torna fácil, ainda que o tema tratado seja complexo e o estilo arrevesado. Duro mesmo é extrair uma crônica com começo, meio e fim de livro ruim, pobre de ideias e sugestões, limitado ao simples relato de fatos. É de provocar suores no frio e arrepios nas canículas. Por tudo isso, abordar o livro “Eu, Lampião”, de Almir Gomes de Castro (Edições Livro Técnico – Fortaleza – 20008) foi a mera continuação de uma leitura prazerosa. Ele me foi oferecido pelo renomado poeta Valdemar Alves.

Salteadores de estradas, solitários ou em grupos, e ladrões de vários tipos sempre existiram, e tanto a história como a literatura estão recheadas de relatos a respeito. Mas o banditismo organizado nos moldes do cangaço foi um fenômeno típico do Brasil e vicejou no Nordeste desde as últimas décadas do Século XIX até 1938, ano da morte de Lampião, data assinalada pelos estudiosos do assunto como a do seu fim. Foi um tipo de atividade criminosa que se tornou possível graças à imensa extensão territorial da região, com a população rarefeita, o isolamento das vilas e pequenas cidades e à ausência de limites entre os grandes latifúndios dominados pelos coronéis. Tudo isso facilitava a estupenda movimentação de bandos bem organizados, chefiados por verdadeiros estrategistas e obedecendo a rigorosa disciplina interna, que atacavam e saqueavam fazendas, vilas e pequenas cidades em vários Estados da região. Praticavam uma espécie de guerrilha, de que foram precursores, valendo-se da surpresa, embora muitas vezes usassem da extorsão pura e simples, enviando ultimatos às autoridades locais. Conhecedores das caatingas, retiravam-se para lugares seguros após as grandes ações, assim como os gangsteres americanos fariam mais tarde. Muitas vezes contavam com o apoio de fazendeiros, comerciantes e políticos poderosos que lhes forneciam armas, munições, suprimentos de boca e até mesmo lugares secretos em suas propriedades. Eram os chamados coiteiros.

Entre os chefes cangaceiros, muitos alcançaram grande renome e chegaram a ser admirados como uma espécie de justiceiros que tomavam dos ricos para dar aos pobres, numa época em que imperava a completa injustiça social e os menos aquinhoados viviam em situação de miséria, ainda mais nos longos períodos de seca. Nenhum desses chefes, no entanto, granjeou a fama de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião. Em torno dele se criou verdadeira lenda e suas atividades deram margem a uma extensa literatura que não cessa de crescer e se espalhou pelo cordel, o teatro, o cinema e a televisão, sem falar nas constantes matérias jornalísticas.

Embora seja um romance, “Eu, Lampião” é escrito em primeira pessoa, com o próprio personagem narrando a história de sua vida no formato de memórias ou autobiografia. O estilo é trabalhado e quase sempre alcança o nível da prosa poética. E assim vai desfiando os principais eventos de uma vida de correrias, combates, violência e tragédia, com poucos intervalos de paz. Começa relatando as intrigas com os vizinhos e a morte do pai, fatos que o levaram pelo caminho do cangaço, ingressando no bando co célebre Sinhô Pereira. O batismo de fogo, as mortes dos irmãos, também cangaceiros, a inesquecível recepção no Juazeiro do Padre Cícero, o malfadado ataque à cidade de Mossoró, onde foi derrotado e saiu desmoralizado, as traições de que foi vítima, a fuga para o impenetrável Raso da Catarina, convivendo com cobras e aranhas, o ingresso de Maria Bonita no bando, o nascimento dos filhos e, como fecho trágico, o cerco do grupo pela volante do Tenente Bezerra, na Grota do Angico, em Sergipe, onde pereceu ao lado de Maria Bonita e outros companheiros. Em muitas passagens ele se mostra um homem angustiado, cansado da vida que levava e com a intenção de abandoná-la. Mas as circunstâncias não permitiram e ele carregou o seu fardo até o fim.


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e.atha@terra.com.br

 

(15 de julho, 2016)
CooJornal nº 992



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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