01/05/2016
Ano 19 - Número 982

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


As barbas do Dr. Enéas

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


É impressionante a quantidade de referências existentes na Internet a respeito do falecido médico e político Enéas Carneiro. Isso, porém, se justifica, pelo menos em parte, por ter sido candidato a presidente da República, deputado federal e dono de um partido, além do método insólito utilizado em suas campanhas e que o transformou numa figura folclórica. Foi mais um político sem programa, dentre tantos, mas gritava a plenos pulmões e com cara de poucos amigos o bordão que celebrizou: “Meu nome é Enéas!”

Mas não é esse o caso. O que intriga é a quantidade de manifestações a respeito das compactas barbas do político. Como se sabe, pouco antes de falecer, após diagnosticado seu mal incurável, ele se livrou dos bigodes e barbas que aureolavam seu rosto e apareceu na Câmara de cara lisa. Foi a conta: inumeráveis pessoas, em todo o país, passaram a enviar mensagens comentando a derrubada dos pelos faciais do cidadão. O fato, em consequência, adquiriu foros de extrema gravidade, como se fosse relacionado à integridade ou à soberania nacional, ou, talvez, ainda mais sério.

Essa constatação me levou a observar melhor as cartas dos leitores publicadas pelos jornais em geral. E verifiquei que também lá os temas de menor ou nenhuma importância ocupam a atenção e o tempo de numerosas pessoas. Assuntos insignificantes, destituídos de qualquer importância, ocupam aqueles espaços onde os deveras relevantes nem sequer são mencionados. Fico me perguntando que estranho fenômeno gera tal situação. As pessoas não conseguem distinguir o principal do acessório? Ou o nível cultural se tornou tão frívolo e vulgar que só importam as insignificâncias? Confesso que não sei a resposta, mas é um tema que merece um acurado estudo dos sociólogos. Uma conclusão, porém, me parece certa: isso explica o sucesso de publicações que nada dizem exceto publicar notinhas sobre coisas irrelevantes.

Enquanto isso, outro tema da maior relevância vem sendo discutido com ardor nos jornais e na televisão, sendo até mesmo objeto de projeto de lei. Trata-se de saber se animais de estimação poderão ser sepultados junto com seus donos ou em jazigos de família nos cemitérios destinados aos humanos. Existem os que defendem a ideia com unhas e dentes, alegando que seus bichinhos integram a própria família. Mas também existem muitos que se opõem à esdrúxula solução. Sem tomar partido na contenda, mesmo porque não tenho sequer um cachorrinho (já tive muitos), fico imaginando em que zoológicos post-mortem se transformariam muitos campos santos. Lá repousariam cães, gatos, papagaios, pássaros variados, coelhos, porquinhos e mesmo alguns seres algo estranhos, como aranhas, tartarugas, lagartos e até cobras, uma vez que dias atrás li a reportagem de uma menina que cria uma jibóia pela qual se deixou fotografar toda enrolada. Por essas e outras, ando pensando em adotar um jumento, daqueles pequeninos, que tantos serviços têm prestado à ingrata humanidade e até inspiraram o célebre livro “O jumento, nosso irmão”, de autoria do Padre Antônio Vieira. E assim, quando chegar minha hora de passar para o outro lado do mistério - como dizia mestre Machado -, deixarei instruções testamentárias (ou codicilares, não me lembro bem) para que ele, no momento oportuno, vá descansar ao meu lado. Como isso, por certo, encontrará resistência, deixarei ao juiz do caso uma vexata quaestio – como gostam de dizer os juristas.

Mudando de assunto, falemos do escritor peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do Nobel de Literatura, que esteve no Brasil. Assisti na íntegra à sua entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, e confesso minha decepção. Só falou obviedades, coisas triviais, surradas repetições. Nem uma proposição inovadora, uma ideia instigante, uma colocação original. É verdade que as perguntas foram muito rasas, muito chãs, e uma boa entrevista depende de bons perguntadores. Seja como for, como leitor de suas obras, esperava mais. É curioso observar como a voz dele também envelheceu, fato que ocorre com algumas pessoas, e aquele homem forte e de aparência rija falando numa vozinha alambicada nada teve de agradável.


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

 

(1º de maio, 2016)
CooJornal nº 982



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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