15/04/2016
Ano 19 - Número 980

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


Monteiro Lobato: algumas notas

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


Estive lendo com muito cuidado os ensaios dedicados a Monteiro Lobato constantes dos livros “Sinopse Histórica do Jornalismo Brasileiro” (Imprensa Oficial do Estado do Amazonas – Manaus – 2013) e “Águias da Literatura Brasileira” (Idem – 2013), ambos de autoria do prolífero e renomado escritor manauara Gaitano Antonaccio, figura muito ativa e participante do meio literário.

Como leitor do taubateano de longos anos, não posso me furtar a algumas observações a respeito dele, sem pretender com isso, de forma alguma, desmerecer a obra desse amigo e correspondente.

Começando pelo ensaio do primeiro livro, “Monteiro Lobato – Um Intelectual Injustiçado”, publicado às páginas 189 a 194, diria que o escritor não se chamava José Bento Renato, mas, segundo consta, José Renato. Com tal nome, porém, não poderia usar a bengala do pai, em cujo castão constavam as iniciais JBML, designando José Bento Marcondes Lobato, razão pela qual teria tomado a grave decisão de adotar o nome de José Bento. Esse fato, no entanto, nunca foi comprovado pelos pesquisadores, de sorte que tudo permanece no terreno da lenda, uma das tantas que cercam a movimentada existência do escritor. A mãe de Lobato, no entanto, escreveu, na época do nascimento, que a criança teria o nome do pai.

Por outro lado, o escritor não nasceu na Chácara do Visconde, em Taubaté, onde hoje está o Sítio do Picapau Amarelo. Veio ao mundo numa casa pertencente aos país, pelo que se presume, que depois foi sede da prefeitura e museu histórico, mais tarde demolida. Edgard Cavalheiro, o mais categorizado biógrafo do escritor, publicou uma foto dessa casa no primeiro volume de seu livro “Monteiro Lobato – Vida e Obra”, entre as páginas 14 e 15, da 3ª edição (Editora Brasiliense – S. Paulo – 1962). A versão do nascimento na chácara foi criada em face da demolição da casa, através da qual se procura falsear a verdade biográfica para esconder o absurdo de permitir o desaparecimento do imóvel.

Mais adiante, em outra passagem, escreve o ensaísta: “Depois de publicar várias obras de cunho infantil e ensaios da melhor qualidade, reuniu tudo numa verdadeira obra prima, a que denominou de Urupês” (p. 189). Na verdade, esse livro de estreia de Lobato não reuniu obras infantis e nem tampouco ensaios. É uma coleção de doze contos, tendo em apêndice o artigo “Urupês”, que, publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, projetou o escritor, ainda fazendeiro e residente na Buquira. Esse livro, por sinal, é o primeiro da série a que ele denominou obra adulta, hoje integrado às suas Obras Completas. A primeira edição foi publicada em 1918, ainda com o selo da Revista do Brasil e a partir da segunda foi acrescentado ao apêndice o artigo “Velha Praga”.

À mesma página, mais adiante, afirma o autor que Lobato criou personagens como Jeca Tatu, Emília, Narizinho, Cuca, Saci-Pererê, Visconde Sabugosa e outros. Cuca e o Saci, como se sabe, são personagens folclóricos e o escritor os inseriu em suas obras, mas não os criou porque já existiam de longa data. Por sinal, antes ainda do lançamento de “Urupês”, organizou um inquérito a respeito do Saci, depois publicado em livro. Na obra lobatiana existem inúmeros outros personagens, muitos deles tão ou mais importantes do que os referidos.

Nas páginas seguintes informa o autor que “a partir de 1912, casado e pai de três filhos, abriu um negócio na cidade de São Paulo, passando a explorar o Viaduto do Chá, convidando para sócio o empresário Ricardo Gonçalves (pp. 190/191). Esse negócio foi mais um dos que recheiam o capítulo dos negócios de Lobato, muitos deles ideias mirabolantes e que nunca saíram dos planos. Além disso, Ricardo Gonçalves nunca foi empresário, mas jornalista, agitador social e poeta, autor do livro “Ipês”, editado por Lobato anos mais tarde. Ricardo se suicidou em 1916, provocando imenso pesar entre os companheiros porque era tido como a alma do cenáculo, ou seja, do Grupo do Minarete.

Outro detalhe que merece comentário: Lobato foi nomeado adido comercial junto ao consulado do Brasil em Nova York e não adido comercial nos Estados Unidos. Neste caso, seria uma representação de âmbito nacional e ele deveria servir junto à embaixada brasileira, o que não foi o caso.

Note-se, ainda, que Lobato não foi preso por causa da celeuma provocada pelo Jeca Tatu. Esse personagem lhe granjeou muita antipatia, mas isso ocorreu muitos anos antes. A verdadeira razão de sua prisão foi uma carta enviada a Getúlio Vargas abordando a questão do petróleo e que foi remetida ao famigerado Tribunal de Segurança Nacional. Instaurada contra ele uma ação penal por calúnia contra o presidente do CNP, foi condenado a seis meses de prisão, dos quais cumpriu três, no início em regime de incomunicabilidade.

Prosseguindo, em outro trecho, escreve o autor: “Depois de fundar o Minarete, em Taubaté, recebeu um recado do prefeito, a fim de que fizesse um artigo sobre a iluminação pública, tarefa que ele passou imediatamente ao seu redator de nome Cândido...” (p. 192). Vários detalhes merecem comentário. O jornal Minarete não foi fundado por Lobato, mas pelo seu amigo Benjamin Pinheiro, candidato e depois prefeito da cidade de Pindamonhangaba, onde circulou, e não em Taubaté. O grupo do Minarete, em São Paulo, portanto à distância, enchia as páginas do jornal. Com frequência Benjamin pedia a Lobato artigos a respeito de problemas da cidade, o que ele escrevia, mesmo sem conhecer de perto a questão. Tendo Benjamin solicitado um artigo sobre iluminação pública a um Lobato que não dispunha de tempo, no momento, ele transferiu a incumbência a Cândido Negreiros, colega do Minarete. Como todos andavam lendo o “Tartarin de Tarascon”, de Daudet, Cândido escreveu uma história em que transplantava os personagens do livro para Pinda. O Minarete publicou, o artigo foi lido na Câmara Municipal e influenciou na decisão sobre a iluminação da cidade. Ninguém percebeu a brincadeira. Cândido era o Bompard do cenáculo. O nome do jornal teria sido sugestão de Lobato.

Quanto a O Guarany, foi um pequeno jornal colegial, órgão dos alunos do Colégio Paulista, de Taubaté, de reduzida circulação entre os colegas de aula de Lobato.

Repete-se, mais adiante, a informação de que Lobato serviu como adido nos Estados Unidos. Aqui ele aparece como adido cultural, o que deve representar um equívoco de digitação (p. 193).

Por fim, resta dizer que o livro de Lobato tem por título “Mr. Slang e o Brasil” e não “Mr. Sting.” Esse personagem é um fictício inglês, morador da Tijuca, que conversa com o autor a respeito dos problemas nacionais. Na sua boca Lobato põe tudo aquilo que pensa em intermináveis e peripatéticas caminhadas,

Concluo dizendo que a obra lobatiana, em boa parte, nasceu de suas campanhas jornalísticas. Vários volumes de suas Obras Completas contêm matérias escritas sobre temas a que se dedicava com ardor. Assim, “A Onda Verde” trata de florestas, reflorestamento e assuntos correlatos; “Problema Vital” aborda temas ligados à saúde; “Ferro” e “O Escândalo do Petróleo” sobre os respectivos assuntos e outros mais.

Passo agora a alguns comentários sobre o ensaio “Monteiro Lobato, o literato revolucionário do século 20”, publicado às páginas 207 a 229 do segundo livro acima referido. Trata-se de uma biografia do escritor de Taubaté.

Valem aqui as mesmas observações a respeito do local de nascimento de Lobato feitas sobre o ensaio anterior, bem como em relação ao posto de adido comercial junto ao consulado brasileiro em Nova York.

A questão do Jeca Tatu, por outro lado, não está bem explicada. Retratando o caboclo do Vale do Paraíba, Lobato procurou mostrar a situação de miséria, abandono e ignorância em que vivia, classificando-o como o piolho da terra. Reconhecia, no entanto, que ele não era assim, mas estava assim. O aproveitamento da figura pelos Laboratórios Fontoura foi realizado num sentido positivo, mostrando o Jeca como um vencedor da doença e da miséria. O “Jeca Tatuzinho”, folheto por eles lançado, foi uma das publicações mais lidas em todo o país.

Em outra passagem, o autor considera Lobato como “típico reacionário brasileiro...” (p. 209). Lamento não poder concordar, uma vez que o escritor foi acusado de muita coisa, mas jamais poderia ser considerado reacionário.

Tendo ingressado no Ministério Público, Lobato foi Promotor Público da comarca de Areias entre 1907 e 1911, cerca de quatro anos, até o falecimento do avô, o Visconde de Tremembé, de quem herda a Fazenda da Buquira, para lá se transferindo com a família e abandonando a carreira.

Lobato e Maria Pureza da Natividade (Purezinha) tiveram quatro filhos, dois rapazes e duas moças: Marta (1909), Edgar (1910), Guilherme (1912) e Ruth (1916). Os dois filhos varões faleceram ainda jovens.

Embora Lobato e os modernistas tenham se afastado em virtude de vários equívocos, Oswald de Andrade reconheceu que Lobato foi o mais remoto precursor do modernismo brasileiro ao voltar os olhos para a realidade nacional.

Observo, por fim, que a Petrobras foi criada pela Lei 2004, de 3 de outubro de 1953, e não por decreto, e que Lobato, na juventude, usou inúmeros pseudônimos, os mais variados e estranhos, dos quais nem ele próprio conseguia se lembrar. Os trabalhos constantes do livro “Literatura do Minarete” foram, em sua maioria, publicados sob pseudônimos. Para concluir, devo anotar que as maledicências feitas por Humberto de Campos, no seu “Diário Secreto”, não têm qualquer fundamento biográfico. Lobato saiu da falência quase sem nada, de mãos abanando, embora tivesse investido na “Revista do Brasil” e na editora que nela se gerou todo o capital da venda da Fazenda, uma fortuna na época. Com a vitória da Revolução de 1930 e a deposição do presidente Washington Luís, perdeu o cargo em Nova York, ficando desempregado e sem recursos no país estrangeiro. Viu-se, então, obrigado a vender as ações da Companhia Editora Nacional que lhe sobraram. Retornando ao Brasil, lança-se nas campanhas pelo ferro e pelo petróleo que lhe consumirão dez anos de vida. Mas, para compensar, seus livros se vendem aos milhares e sua literatura infanto-juvenil obtém um sucesso sem precedentes. Graças à obra, começa a se reerguer. Num desabafo, diria no fim da vida: “Sempre sonhei em ganhar na indústria para aplicar na literatura e acabei ganhando na literatura para perder na indústria!”.


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

 

(15 de abril, 2016)
CooJornal nº 980



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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