01/04/2016
Ano 19 - Número 978

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


A tão falada biblioteca

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Para o amigo Ataíde Ribeiro


Graças à oferta do amigo Ataíde Ribeiro, tenho a oportunidade de manusear um livro curioso e diferente. Trata-se de “Para a tão falada biblioteca de Guita e José Mindlin”, organizado por Lucia Mindlin Loeb e publicado pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP) em 2013. Trata-se de um livro-álbum de sofisticada feição gráfica que reúne uma coletânea de dedicatórias escolhidas e reprodução das capas dos respectivos livros oferecidos à biblioteca de Guita e José Mindlin, formada ao longo da vida do conhecido colecionador de livros, “a maior biblioteca brasiliana da América Latina”, para repetir as palavras da apresentadora da obra, Eloá Chouzal.

O livro se abre com uma oferta de seu próprio livro à biblioteca que era dele mesmo, José Mindlin. A dedicatória insólita se deveu ao fato de que ele, oferecendo aos visitantes e amigos os exemplares do livro de sua autoria, “Uma vida entre livros”, acabaria esgotando a edição sem que um único exemplar restasse para o acervo. Assim, graças ao alerta das bibliotecárias, o risco foi afastado. Seria lamentável que uma coleção tão ampla de obras de incontáveis autores não tivesse a de seu dono e diretor.

Seguem-se inúmeras dedicatórias, algumas mais longas e palavrosas, quase cartas. Existem autores que aproveitam a ocasião para colocar a correspondência em dia... Drummond, por exemplo, lança uma dedicatória de quase duas páginas, o que é de admirar porque foi sempre contido nas palavras. Outras são mais secas e curtas, conforme o temperamento de cada autor. Há dedicatórias formais, como a de Érico Veríssimo em seu livro “Fantoches”: “Para o Dr. José Mindlin – que já considero meu amigo – esta lembrança dos “dois Éricos”, o neto e o avô. Com um abraço do Érico Veríssimo.” Já Geraldo Cavalcanti é curto e seco como quem se desincumbe de uma obrigação: “Para José Mindlin, com um abraço do Geraldo. Março/65.” Dez palavrinhas e estamos conversados. Wanda Fabian vai na mesma linha: “Aos amigos Guita e José, os bons votos de Wanda. “ Nada mais.

Surgem casos estranhos, como o livro de Alfredo Mesquita que contém duas dedicatórias a Mindlin, uma do próprio autor e outra de Hilde. Mais curioso ainda é que a dedicatória é ilustrada com uma caricatura feita a tinta, não se sabendo se é do autor do livro ou do colecionador, mas, ao que parece, deste último. Algumas dedicatórias contam casos, como a de Antonio Candido onde esclarece que está repetindo a oferta porque o volume anterior continha um defeito “e ao José só se pode mandar livro em condições...” Cristiano Mascaro, por sua vez, faz confissões e filosofia; afirma que “meus olhos marejaram, é verdade”, ao ler um texto de Mindlin, porque “ler é se emocionar...” Cristina Antunes faz uma declaração de amor à biblioteca: “Para Dr. José, essas histórias de boa parte de minha vida entre estantes e livros de sua biblioteca fantástica, onde tenho o privilégio da leitura, do aprendizado e, acima de tudo, da amizade.” O livro de memórias “Mi último suspiro”, de Luis Buñuel, traz a seguinte dedicatória: “Olá, José Mindlin! Con un abrazo de un fantasma, Luis Buñuel, y la amistad de un vivo, Jean Claude Carrière.” O autor da dedicatória se fez porta-voz do além e falou pelo morto. Também ilustra com a caricatura de um fumante com cigarro na boca.

As dedicatórias vão das mais prosaicas às mais criativas. Folhear o livro é, ao mesmo tempo, um passeio pela nossa literatura e a recordação de tantas obras já lidas e que deixaram boas recordações. Ali estão, entre outros, Guilherme de Almeida, Oneyda Alvarenga, a secretária de Mário de Andrade, Manoel de Barros, Raul Bopp, Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Mario Vargas Llosa, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Pierre Verger, muitos e muitos outros. Fica o desejo inadiável de uma visita à tão falada biblioteca de José Mindlin, a quem conheci numa exposição realizada no Museu Lasar Segall, em São Paulo, e que até me ofertou um livro com dedicatória e tudo mais. Valeu.


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

 

(1º de abril, 2016)
CooJornal nº 978



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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