15/03/2016
Ano 19 - Número 976

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



Dom Horacio Quiroga

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


Caso raro nos anais literários, Dom Horacio Quiroga (1878/1937) nasceu no Uruguai mas não obteve no país natal o reconhecimento merecido porque grande parte de sua obra é ambientada na Argentina e como tal considerada. Mas a Argentina também não o reconheceu como um dos seus pelo fato de ser uruguaio. E assim esse extraordinário escritor nunca mereceu a consagração em vida, apesar dos esforços de alguns admiradores. Sua obra literária, no entanto, é uma das melhores e mais interessantes da literatura latino-americana. Novelista e contista de primeira linha, teve e ainda tem inúmeros leitores no Brasil, entre os quais eu me incluo.

Quiroga teve uma vida conturbada e sofrida, marcada pela tragédia. Depois de diagnosticado como portador de mal incurável, suicidou-se na noite de 18 para 19 de fevereiro de 1937, deixando consternados seus leitores e amigos. Ainda criança, perdeu o pai em duvidoso disparo de arma de fogo que deixou muitas dúvidas. Mais tarde, suicidou-se também o padrasto. Em 1902, num disparo acidental de pistola, mata o poeta e melhor amigo Federico Fernando e, desesperado, tenta o suicídio. Ana Maria, a primeira esposa, também se mata e o mesmo fariam, após sua morte, os três filhos. Como se não bastasse, o ex-presidente Baltazar Brum, seu amigo e protetor, também põe fim à vida. Convenhamos que foi uma dose de desgraças digna das mais pesadas novelas de horror.

Mesmo assim, porém, Quiroga produziu uma obra imortal dentro da qual se destacam “História de um louco amor” e “Passado amor”, novelas publicadas num só volume pela L&PM Pocket (Porto Alegre – 2008), em tradução de Sergio Faraco. Apesar do longo tempo decorrido entre a produção de uma e outra, ambas são histórias de amor, como indicam os títulos, e têm alguma semelhança entre si. Segundo os críticos, elas guardam muito de autobiográfico, uma vez que o autor também encontrou oposição das famílias, como nas novelas. Em ambas, o personagem masculino tem atitudes ambíguas relativas à destinatária de seu amor. No primeiro caso, parece indeciso entre a irmã mais velha e a mais moça, ora pendendo para uma, ora para outra, mas tudo indicando que amava mesmo a mais jovem. No segundo caso, parece ignorar o amor de uma enquanto se devota à outra. Dessas posições neuróticas e doentias, resulta o inesperado nas duas situações: perde as duas mulheres e continua o solitário sofrido que sempre foi. Os relatos, no entanto, são repletos de pequenos incidentes que tornam as novelas uma leitura das mais interessantes e as questões íntimas que o personagem central impõe a si mesmo são convincentes.

Tal como o autor, na vida real, o personagem também nutre paixão pelas atividades agrícolas na selva, na região de Misiones, na Argentina. Lá ele se dedica ao cultivo da erva-mate, o ouro negro da época, mas com pouco ou nenhum resultado, embora revele amplo domínio do assunto. (Na vida real, Quiroga também plantou algodão e se dedicou a outras atividades rurais. A mudança para a selva foi a causa de suas desavenças com as esposas, uma vez que elas não se adaptavam à vida naquele meio). Embora as novelas sejam pura ficção, o autor não se furta a intercalar páginas a respeito da erva-mate e seu cultivo.

Aspecto relevante e que merece ser realçado é que Horacio Quiroga escrevia muito bem. Sua linguagem é límpida e clara, dotada daquela simplicidade procurada e não a dos simplórios. Expõe as ideias de forma elegante e cativa o leitor do começo ao fim. É uma pena que esteja tão esquecido. Mereceria melhor atenção dos leitores brasileiros e latino-americanos em geral.


 


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

 

(15 de março, 2016)
CooJornal nº 976



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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