01/10/2015
Ano 19 - Número 954

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



UMA REVISTA CENTENÁRIA

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

O generoso amigo Trajano Pereira da Silva, o mais atilado lobatiano do país, acaba de me oferecer uma preciosidade literária, dessas que os bibliógrafos e bibliomaníacos disputam a tapas quando topam com algum exemplar nos alfarrábios ou livrarias. Trata-se de um raro exemplar do número 1 (um) da “Revista do Brasil”, publicado em janeiro de 1916 e que completará um século no início do próximo ano. Encadernado, o volume se encontra em perfeitas condições. Quem conhece um pouco da história de nosso país deve saber da importância dessa publicação na vida cultural brasileira e o relevante papel que exerceu.

Propriedade de uma sociedade anônima, a revista tinha circulação mensal e só publicava trabalhos inéditos. Seus diretores iniciais foram Luís Pereira Barreto, Júlio Mesquita e Alfredo Pujol, atuando Plínio Barreto como redator-chefe. Todos homens de grande envergadura intelectual e de destaque nos meios culturais e jornalísticos, avultando dentre eles o diretor do “Estadão”, Júlio Mesquita. Os colaboradores, por sua vez, foram profissionais, escritores, cientistas, professores e artistas de renome. Em sua biografia de Monteiro Lobato, Edgard Cavalheiro acentua o que significou na época o lançamento da revista.

A “Revista do Brasil” surgia com a intenção de preencher um vácuo cultural existente na época e propiciar a oportunidade de debater temas brasileiros então quase ausentes das publicações. Vivia o país um período de intensa e exagerada influência francesa, com nossos escritores tentando imitar o que faziam os franceses. Como escreveu alguém, comíamos pelo menu francês, vestíamos pelo modelo gaulês e usávamos o idioma francês com tal exagero que ameaçava transformar nosso português num patoá ininteligível. Era a macaqueação do francês e muitos intelectuais se rebelavam contra isso, declarando guerra aos macacos. Nesse ambiente, a revista propunha lançar um olhar sério e honesto sobre o país e destacar suas reais qualidades para que, afinal, despontasse a verdadeira personalidade nacional. Não havia nessa posição qualquer intenção xenófoba, mas apenas o desejo de defender a nossa nacionalidade. Essas propostas ficaram claras na apresentação publicada às páginas 1 a 5 desse número inicial. “O que há por trás do título desta Revista e dos nomes que a patrocinam é uma coisa simples e imensa: o desejo, a deliberação, a vontade firme de constituir um núcleo de propaganda nacionalista. Ainda não somos uma nação que se conheça, que se estime, que se baste, ou, com mais acerto, somos uma nação que ainda não teve o ânimo de romper sozinha para a frente numa projeção vigorosa e fulgurante da sua personalidade” (p.2). Esse prefácio, como se vê, foi escrito em belíssima linguagem e contém bons momentos de prosa poética. Apesar do empenho da revista e de seus redatores, no entanto, desconfio que o Brasil até hoje não aprendeu a se estimar diante do que fazem contra ele tantos brasileiros e da macaqueação americana. Mas essa é outra história.

Neste número inaugural apareceram trabalhos do renomado jurista Pedro Lessa sobre reformas constitucionais, Adolfo Pinto escreve a respeito do centenário da Independência e Luís Pereira Barreto sobre avanços da cirurgia. O poeta Alberto de Oliveira publica ensaio abordando a rima e o ritmo, Amadeu Amaral faz o elogio da mediocridade e Valdomiro Silveira contribui com um conto. O crítico José Veríssimo publica um capítulo de seu livro sobre o Modernismo, uma fase de nossa literatura, Victor da Silva Freire revela o longo ensaio “Fatos e Ideias” e a revista se fecha com a resenha do mês, com notas sintéticas sobre os mais variados assuntos. Nas últimas páginas são reproduzidas as caricaturas mais interessantes aparecidas na imprensa naquele mês. Como se vê, é um conteúdo rico e variado, versando de preferência temas nacionais, ainda que comente assuntos do exterior.

Em 1918, Monteiro Lobato compraria a revista de que já era colaborador. Investiu nela o dinheiro recebido com a venda da Fazenda da Buquira. Ainda com o selo da revista publicou os primeiros livros e depois a transformou em editora. A “Revista do Brasil”, portanto, está na gênese da indústria livreira nacional de que Lobato é tido como o verdadeiro fundador. O papel da publicação foi relevante como órgão de divulgação das coisas nacionais e como célula inicial da indústria nacional do livro.


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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
e.atha@terra.com.br

(01 de outubro, 2015)
CooJornal nº 954



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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