01/06/2015
Ano 19 - Número 938

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio

 

O PÁTIO DOS MILAGRES

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Monteiro Lobato sonhava fazer dinheiro na indústria para investir na literatura e acabou ganhando como escritor para perder nos negócios. Com esse objetivo, andou sempre às voltas com os mais variados e curiosos negócios, desde uma rua aérea e uma casa lotérica até um restaurante em Nova York. Quando Adido Comercial do Brasil naquela cidade abriu lá o “Brazilian Garden”, situado no começo da Greenwich Street, a duas quadras de Wall Street. Ficava num rés-do-chão, tinha uma única porta e a fachada toda envidraçada, conforme a moda da época. Estendia-se numa sala longa, com duas alas de mesas e cadeiras e um passadiço para as pessoas. Era mais uma lanchonete, como se diz hoje, onde serviam almoço e lanche – um “lunch-room,” Além do nome nacionalista, tinha um cardápio bem brasileiro, composto de picadinho de carne (ou uma postinha de peixe), arroz e, é claro, o nosso feijão, estes dois últimos obrigatórios. O café com leite era servido de graça e o freguês podia repetir à vontade.

No começo o negócio ia bem, dando lucros animadores – segundo o próprio Lobato. Aos poucos, porém, “os brasileiros que lá faziam ponto anarquizaram a casa com jogatina de pôquer e ruidosas farras à noite”. Como se não bastasse, o “crash” da Bolsa, em 1929, deixou incontáveis brasileiros e latino-americanos em geral no desemprego. Essa enorme fauna faminta passou a freqüentar o restaurante e “ali encontrava a generosidade que lhes garantia o almoço e o jantar em troca de um vale de resgate dúbio. Por muitos meses ainda Lobato manteve o seu “Brazilian Garden”, já então conhecido como “Pátio dos Milagres”, para nele abrigar e alimentar diversos compatriotas surpreendidos pela avassaladora crise de empregos.” O restaurante entrou a dar prejuízo e o proprietário, também desempregado, teve que fechar as portas, mas a casa ficou na memória de quantos a conheceram como o derradeiro recurso para matar a fome em país estranho e que vivia terrível crise.

Arthur Coelho e Francisco Silva Júnior, ambos amigos de Lobato, conheceram o “Pátio dos Milagres” e escreveram sobre ele, assinalando a falta que fez aos brasileiros que se encontravam em situação precária. Foram minhas fontes para estas notas, relembrando mais uma pitoresca iniciativa do criador de Narizinho. Com o mesmo título Lobato escreveu um artigo, recolhido às suas Obras Completas, que é uma crítica ferina à falta de assistência aos mendigos que infestam nossas ruas, vivendo da caridade pública, sem que nunca se procure uma solução digna e correta para eles.

Escrevi, em crônica anterior, sobre o senhor Mazzei, pai de Deise Mazzei, que ficou sem emprego e dinheiro nos Estados Unidos, gastando suas horas numa praça, onde foi visto por Monteiro Lobato. Depois de se inteirar da situação dele, o escritor lhe deu o dinheiro para a passagem de retorno ao Brasil. Além disso, - imagino cá com meus botões, - Mazzei deve ter frequentado o “Pátio dos Milagres”, onde, como tantos brasileiros e latino-americanos em situação difícil, saciou a fome com a comida bem brasileira, saboreando o picadinho de carne com arroz e feijão que outro desempregado lhes fornecia, gastando com isso suas parcas economias.

A leitura de biografias e memórias é uma forma de aprender com a experiência alheia. Embora pouco valorizado no passado, o gênero tem hoje incontáveis leitores em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde muitas dessas obras alcançam grande público e vendem em quantidade. Quanto a mim, sempre fui leitor de livros do gênero, alguns fascinantes, a exemplo de “Os Melhores Tempos”, de John dos Passos, e “O Romance de uma Vida”, de Carlos Baker, reconstituindo a tumultuada existência de Ernest Hemingway, e que acabo de reler com intenso prazer. Tanto Hemingway como Dos Passos, por coincidência, pertenceram à chamada “geração perdida”, constituída pelos americanos autoexpatriados em Paris no início do século passado. Mas essa é outra história.

 

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

(01 de junho, 2015)
CooJornal nº 938



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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