01/03/2015
Ano 18 - Número 926

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio




OS RIOS E AS LETRAS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Interessante ensaio, publicado na melhor revista acadêmica em circulação (*), merece um comentário. Trata-se de “Rio São Francisco – Fatos e palavras que o definem”, de autoria do historiador Zanoni Neves, grande estudioso e conhecedor de tudo que respeita ao Velho Chico, esse rio tão presente na história e nas letras nacionais.

Ele começa lembrando o que dizia Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, sobre esse curso d’água tão curioso e diferente, que nasce no Sudeste e corre para o Nordeste, contrariando a regra mais ou menos geral dos demais. Segundo ele, o Velho Chico é um “unificador étnico”, abraçando etnias diversas, mas todas brasileiras, servindo como “longo traço de união entre duas sociedades que não se conheciam”, tornado-o “cerne vigoroso de nossa nacionalidade.” João Ribeiro, por sua vez, considerou-o “o grande caminho da civilização brasileira” e Orlando Carvalho chamou-o de “o rio da unidade nacional”, sem dúvida a definição mais conhecida. Considerando que ele nasce em terras férteis e depois vai irrigar terras áridas, Rubens Santos batizou-o de “rio missionário.” E o historiador Capistrano de Abreu arrematou afirmando que ele “teve grande importância histórica”, fato indiscutível.

Por outro lado, o rio tem servido de caminho para grandes personagens ao longo dos tempos. Assim, Dom Manuel da Cruz, em 1740, singrou suas águas para assumir o primeiro bispado de Mariana, vindo do Maranhão, em penosa viagem numa embarcação a remo. Juarez Távora, integrante da Coluna Prestes, realizou uma retirada estratégica desde Pirapora (MG) até Juazeiro (BA) num dos navvios-gaiolas que percorriam o Velho Chico, de onde rumou para Salvador. Durante a II Guerra Mundial, em face da presença de submarinos alemães em nosso litoral, os soldados brasileiros navegavam pelo São Francisco para chegar em segurança ao Nordeste, onde iam reforçar os contingentes brasileiros. Preso político, o escritor Jorge Amado foi posto em liberdade, ao final da ditadura Vargas, com a condição de deixar o Rio de Janeiro em oito dias. Sem dinheiro, obteve de Aníbal Machado uma passagem num dos vapores que o levou a Juazeiro, rumando dali a Salvador por via férrea. A viagem está narrada em “Seara Vermelha.” O explorador britânico Richard Francis Burton percorreu todo seu curso, partindo ao afluente Rio das Velhas, navegando numa canoa, até a foz, no Atlântico, do que resultou um saboroso livro.

Não bastassem esses e outros fatos, foi às margens do Urucuia, também afluente do Velho Chico, que Riobaldo e Diadorim se conheceram, conforme Guimarães Rosa narra em seu “Grande Sertão: Veredas.” E foi sobre suas águas, dormindo no camarote de um vapor, que Rotílio Manduca teria sido assassinado. Essa figura, misto de cangaceiro e intelectual, seria o modelo do jagunço Zé Bebelo, personagem destacado do romance acima referido. Para completar, o grande rio já está levando suas águas benfazejas a lugares nunca imaginados. Contrariando os incrédulos, a transposição está dando certo e irá provocar a mudança do clima, aumentando a umidade e eliminando as longas secas, como aconteceu na região de Sobradinho, onde estive e verifiquei com meus próprios olhos.

O ensaio aqui comentado me leva a indagar da relação entre os rios catarinenses e as obras de nossos escritores. O Itajaí-Açu exerceu influência sobre eles? “O Código das Águas”, última obra de Lindolf Bell, guarda relação com o rio? O Rio do Peixe, o Canoas, o Uruguai, o Pelotas, o Iguaçu (na parte catarinense) marcam presença na obra poética ou ficcional de nossos autores? Está aí um curioso tema a ser investigado.
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(*) Revista da Academia Mineira de Letras, Belo Horizonte,
Volume LXV, 2013, p. 145.

Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email e.atha@terra.com.br

(01 de março, 2015)
CooJornal nº 926



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC




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