01/02/2015
Ano 18 - Número 922

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



O PINTOR DOS MARGINALIZADOS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal



Nascido em Vilna, na Lituânia, então sob o domínio da Rússia czarista, Lasar Segall (1891/1957) foi o verdadeiro precursor do Modernismo brasileiro, muito antes de Anita Malfatti (1917) e da Semana de Arte Moderna (1922). Em 1913, visitando nosso país, realizou exposições de suas obras em São Paulo e Campinas, embora a repercussão fosse reduzida porque o meio cultural ainda não estava maduro o suficiente para avaliar o expressionismo do talentoso pintor. O crítico campineiro Abílio Álvaro Miller foi dos poucos a perceber e proclamar a qualidade da obra de Segall, classificando-o como “pintor de almas.” Nem sempre essas exposições pioneiras e as palavras do crítico têm sido lembradas, embora constituam fatos relevantes na história da cultura nacional e na biografia desse pintor que é aclamado como um dos mais importantes de todo o mundo.

Como antigo frequentador do Museu Lasar Segall, em São Paulo, e admirador de sua obra, lanço estas notas para comentar o volume dedicado a ele pela coleção “Grandes pintores brasileiros” que o jornal “Folha de S. Paulo” publicou (Volume 6). Com texto de Verônica Stigger, o álbum contém cronologia, biografia e galeria das obras do pintor, cada uma delas com apreciação crítica, além de notas explicativas e bibliografia. As reproduções das obras, algumas com detalhes, são perfeitas e impressionam pela qualidade. A publicação é uma bela homenagem a esse artista que adotou o Brasil, naturalizou-se brasileiro e aqui viveu boa parte da vida, participando de maneira ativa da vida cultural de nosso país. O museu está instalado na casa onde ele viveu e abriga também a biblioteca Jenny Klabin Segall, nome de sua esposa, especializada em artes plásticas.

Segall foi um expatriado, um desterrado precoce, um homem que perdeu o chão sob os pés, condição que o marcou pela vida toda e se refletiu em sua obra. Estudou em Berlim e Dresden, onde foi expulso da Academia de Belas Artes por ser cidadão russo e judeu. Depois de mudanças e andanças por uma Europa conturbada, muda-se para o Brasil, em 1923, passando a integrar o grupo modernista local. Faz a decoração do Pavilhão de Arte Moderna de D. Olívia Guedes Penteado, conhecida protetora de artistas e escritores. Foi um dos fundadores da Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), da qual acabou se desligando mais tarde. Mesmo entre nós, foi vítima de preconceito por sua origem judaica, fato que muito o constrangeu. Nesse longo período, no entanto, jamais deixou de produzir e expor suas obras em mostras individuais ou coletivas realizadas em vários pontos do país. Produziu imenso conjunto de pinturas, gravuras, desenhos e esculturas.

A condição de desterrado, sem pátria e sem casa, fez de Segall um artista sensível à condição dos marginalizados da qual ele próprio parecia se sentir integrante. Volveu o olhar compadecido para os escravos, os negros, os miseráveis, os mendigos, os caminhantes, as prostitutas e os emigrantes. Sobre estes concebeu uma de suas monumentais obras – “Navio de Emigrantes.” Produzido entre 1939 e 1941, retrata em mais de uma centena de figurantes toda a tristeza e o desespero dos que são forçados a arrancar suas raízes, renegar o passado e se lançar na aventura de uma terra estranha. É a maior de suas telas e cada uma das figuras é retratada de maneira minuciosa para realçar a reação individual diante da situação. Como ele próprio dizia, mais que o êxodo forçado dos judeus, o quadro reflete a condição de todos que se vêem obrigados a abandonar o chão natal. Também a monstruosidade dos “pogroms” (em russo, devastação) mereceu sua atenção em impressionante tela.

No Brasil, porém, Segall reencontrou a alegria de viver e descobriu a cor e a luminosidade solar. Suas obras desse período são coloridas, vivas, vibrantes. Ele havia se tornado brasileiro.
 
(Sobre Segall escrevi um ensaio que está em meu livro “O Perto e o Longe”, Vol. II, 1991, pag. 57).


(1º de fevereiro, 2015)
CooJornal nº 922



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC

Mensagens sobre o texto podem ser enviadas ao autor, no email e.atha@terra.com.br


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