25/07/2014
Ano 18 - Número 901

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



A PAZ EM PERIGO
 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal


Com a hegemonia do neoliberalismo, da globalização e do decantado fim da história tão alardeado por Francis Fukuyama, esperava-se uma prolongada fase de calmaria nos meios econômicos do ocidente. Nada de extraordinário ou incomum macularia essa paz, restrita à rotina de produzir, importar e exportar, vender e comprar, acompanhar os índices das bolsas e lutar por um crescimento econômico cada vez maior. Estaríamos numa nova “pax britannica” semelhante à que o mundo viveu no início do século passado.

Mas eis que de repente, não mais que de repente – como dizia o poeta – surge um desmancha-prazeres cujas conclusões provocam intenso debate, causam preocupações e tiram o sono dos potentados de todo o mundo. Professor universitário e economista, o francês Thomas Piketty, assessorado por qualificada equipe e depois de anos de pesquisas, lança o livro “O Capital no Século 21”, que explodiu como autêntica bomba e vem provocando intensas discussões, inclusive no Brasil, onde a versão brasileira já começa a circular. A partir da tradução para o inglês, alcançou impacto global e pode ser comparado, segundo os críticos, aos grandes clássicos da ciência econômica. Ou seja: já nasceu clássico.

Qual seria, então, o segredo de tanto sucesso numa área em que as publicações são contínuas e assinadas por tantas sumidades? É que o livro, para espanto geral, desmente dois axiomas até agora pacíficos nos meios econômicos. As pesquisas revelaram que a concentração da riqueza vem se acentuando, inclusive nos países centrais, agravando a desigualdade econômica entre as pessoas. “Enquanto na Europa já há sinais de aumento da desigualdade, liderada pela desigualdade do capital, nos Estados Unidos aumentou fortemente a desigualdade da renda do trabalho” – escreveu Samuel Pessoa em comentário ao livro. Segundo ele, “Para Piketty, a partir de certo nível de riqueza, a renda gerada pelo capital é tão elevada que é possível consumir, acumular e legar para herdeiros mais do que se recebeu.” Em suma, dinheiro traz dinheiro e, como os bens econômicos são limitados, a concentração nas mãos de poucos, cada vez menos numerosos, retira dos demais, cada vez mais numerosos, a possibilidade de riqueza. Além disso, essa concentração excessiva põe em risco a própria democracia, uma vez que grandes conglomerados financeiros tendem a influir no resultado dos pleitos e das mais variadas formas.

O remédio? Como sempre, o velho receituário amargo já indicado pelo consagrados mestre Luiz Souza Gomes, tão lido nos tempos acadêmicos. Aumentar o imposto dos mais ricos, em especial o imposto de renda, aquele que mais promove a distribuição da riqueza, fechar as portas das muitas evasões contidas na legislação e combater com severidade a sonegação, prática comum em nosso país.

Por outro lado, mostrou Piketty que o direito à herança vem contribuindo de forma decisiva para a concentração da riqueza. Através dela o herdeiro herda uma riqueza para cuja formação não contribuiu. É tudo uma questão de sorte por ter nascido de pais ricos e não de mérito ou esforço próprio, o que faz da herança um direito injusto. “Há uma tendência recente de forte concentração de renda nas economias centrais e, em particular, há um processo de elevação do peso da riqueza herdada na riqueza total” – resumiu o referido crítico. A continuidade da situação reinante, desvendada por Piketty e sua equipe, conduziria o mundo ao capitalismo patrimonialista de graves consequências.

A influência do livro, lançado em 2013, não se fez esperar. Ganharam forças movimentos tímidos e incipientes pela extinção do direito de herança e, ao que tudo indica, seus ecos não tardarão a chegar por aqui. É um tema que muito irá render no futuro próximo.



(25 de julho, 2014)
CooJornal nº 901



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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