10/06/2014
Ano 18 - Número 895

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


PERSONAGEM DE ROMANCE
 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Nestes longos anos de literatice, jamais me passou pela cabeça a hipótese de virar personagem de romance. Se é verdade que qualquer pessoa, ainda que à revelia ou sem saber, corre o riso de se transformar em modelo para um personagem, também se sabe que um personagem nunca é uma só pessoa, reunindo, em geral, características de várias outras, observadas pelo autor, e que também refletem muito dele próprio. No caso a que me refiro, porém, eu apareço nas páginas do romance identificado pelo nome próprio, profissão e tudo o mais. E junto comigo, em igualdade de condições, entram em cena o escritor e historiador gaúcho Nelson Hoffmann e o poeta e escritor luso-brasileiro Silvério da Costa, radicado em Chapecó há longos anos, além de Maurício, advogado cearense fictício. E todos aparecemos em situações muito especiais.

Isso ocorre nas páginas do romance “O Recomeço – Um itinerário de tempo cíclico”, de autoria de José Humberto Espínola Pontes de Miranda (Top Produções Gráficas – Recife – 2013 – 518 págs.). Ali o autor descreve um encontro imaginário, ainda que baseado em fatos reais, do chamado Manifesto Nheçuano, na cidade de Roque Gonzáles, no vizinho Rio Grande do Sul. Esse movimento, hoje consolidado, reúne estudiosos e pesquisadores que buscam promover a revisão crítica da história missioneira, com destaque para a ação do célebre cacique-pajé Nheçu, líder dos índios guaranis e de outras tribos na defesa do território que lhes pertencia ante a invasão do colonizador. Assim, inspirado em nossos escritos a respeito, o autor imagina o encontro naquela cidade em que Nelson Hoffmann seria o mediador, eu o expositor, Silvério e Maurício os debatedores. Ocorre, então, a defesa do cacique, alinhando-se em favor dele os argumentos de natureza jurídica, moral e filosófica, bem como o exame dos fatos, como realmente aconteceram, à luz dos mais categorizados autores. Meu livro “Mundo Índio”, “Terra de Nheçu”, de Nelson Hoffmann e “Rapsódia de Espantos”, de Silvério da costa, contribuíram para tornar a narrativa convincente.

Mas o romance não se esgota nesse episódio, vai muitíssimo além. Numa tentativa tosca de resumo, diria que a linha mestra da narrativa trata de um casal, ainda jovem, mal sucedido no primeiro casamento, que descobre ter renascido e, depois de muitas lutas, se afasta de tudo para retomar uma existência natural, sacrificando todas as ilusões até então alimentadas. Renunciam à vida num “mundo doentio, fadado ao colapso em que quase sempre não nos apercebemos disso.” Para chegar a tanto, porém, vivem uma riquíssima experiência de vida que o autor soube pintar com maestria, revelando imenso conhecimento de temas tão distintos como história universal e brasileira, geografia, filosofia, teologia, indigenismo e muito mais, além de esbanjar informação atualizada sobre outros tantos aspectos. É um texto denso e compacto, contendo uma tese em quase toda página, rico de ideias e informações, num trabalho impressionante de método e organização da imensa pesquisa realizada. Uma obra ambiciosa que custou ao autor quatro anos de trabalho árduo e que ele realizou de maneira exemplar. Trata-se, enfim, de um livro que enriquece a estante dos chamados romances de tese, escrito com clareza e precisão, e que prende o leitor curioso, por exigente que seja.
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Contatos com o autor comentado: Rua André Cavalcante, 4 5 Apt. 1601 – Parnamirim – 52060-090 – RECIFE.

(Publicado no jornal “Página 3”, de Balneário Camboriú/SC,
edição de 15 de março de 2014, pág. 26).

(10 de junho/2014)
CooJornal nº 895



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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