10/04/2014
Ano 18 - Número 887

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


FARQUHAR E LOBATO (2)
Uma parceria improvável
 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Descrente de qualquer providência da parte de Getúlio Vargas, na luta desesperada pelo ferro e pelo petróleo, que lhe tomou dez anos de vida, o incansável Monteiro Lobato se volta para Juarez Távora. Ministro da Agricultura, pasta a que estavam afetos esses assuntos, Távora “era um dos duradouros “tenentes” das revoltas de 1922, 1924 e da Revolução de 1930” (p. 466). Lobato denunciava a aliança de forças poderosas agindo contra os interesses do país e exclamava: “Absurdamente, o governo brasileiro está sendo manobrado nas sombras pelos piores inimigos do país, que se opõem a que o Brasil tenha uma indústria de aço importante, através da qual possamos escapar de nosso lodaçal econômico” (Idem). E num último apelo, escreveu: “ Faz três anos que peço, e tudo o que peço é que o Processo Smith seja estudado de modo sério e honesto” (p. 467).

Mais uma vez, no entanto, o pobre Lobato bateu na porta errada. Adepto do liberalismo econômico, em livro publicado anos mais tarde Juarez Távora deixava claro que sempre fora favorável à exploração do petróleo por grupos nacionais ou estrangeiros. Segundo analistas políticos da época, esse livro teria sido uma das causas de sua derrota como candidato a presidente da República. Como seria de esperar o apelo de Lobato só mereceu o silêncio como resposta.

Conforme escreve o autor do livro, tanto Lobato como Farquhar lutavam, cada qual a seu modo, para “criar no Brasil a mentalidade necessária para o estabelecimento da indústria do aço” (p. 467). Essa constituía, até então, uma ideia inteiramente alheia ao brasileiro comum, para quem tal problema não existia. Perdurava o entendimento generalizado de que o Brasil era um país agrícola, voltado à produção agropecuária, e que isso de complicadas indústrias de ferro e petróleo deveria ficar a cargo dos mais desenvolvidos. Em incansável pregação pelos jornais, em artigos e entrevistas, como também pelo rádio e até mesmo proferindo palestras, falas que fazia tomado de terror, Lobato levou tais questões para a rua e as implantou nas cabeças das pessoas. Mas ele temia a ação de Farquhar, ainda mais quando “ouviu falar que os amigos financistas do americano no exterior haviam pressionado Vargas a aprovar Itabira caso não quisesse perder a ajuda deles no financiamento das dívidas do Brasil” (Idem). É fácil imaginar a angústia de Lobato ao se sentir batalhando sozinho, tendo por si apenas a força da palavra, contra pressões de tal magnitude.

“Tanto Farquhar quanto Lobato – escreveu o biógrafo – tentavam convencer a irritantemente indiferente oligarquia brasileira a sair de sua estéril mania de fazer politicagem e a se voltar para o aumento da produção nacional. Só assim seria possível criar o bolo econômico adequado, passível de ser dividido entre os trabalhadores, o capital e os setores da classe média, que emergiam lentamente” (p. 467). Depois de vinte anos vivendo no Brasil, Farquhar fazia observações cortantes a respeito do nosso país. Ele dizia, entre outras coisas, que jamais em sua vida de empreendedor mundial havia gasto tanto em propinas para conseguir que certos brasileiros o deixassem trabalhar pelo Brasil. Dizia também que uma pequena elite nacional vivia de forma predatória, aproveitando o “boom” do café, nos grandes centros e até em Paris, sem qualquer preocupação cívica ou com o futuro do país. “Depois de mim, o dilúvio!”

Estavam as coisas nesse pé, com Lobato derrotado e Farquhar ganhando umas e perdendo outras quando sobreveio um fato inusitado que o escritor encarou com a maior surpresa. Mas esse é tema para o próximo artigo (*).

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(*) “Farquhar, o último titã”, Charles A. Gauld, tradução
de Eliana Nogueira do Vale, S. Paulo, Editora de Cultura,
2006, 520 págs.

 

(10 de abril/2014)
CooJornal nº 887



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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