06/11/2013
Ano 17 - Número 869

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

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Enéas Athanázio



A USURA E O CASTIGO

 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

É provável que não seja a mais famosa das obras de Ariano Suassuna, mas “O Santo e a Porca” já se encontra na 23ª. edição e tem feito enorme sucesso quando encenada (José Olympio Editora – Rio – 2010). É uma peça teatral em três atos que integra o gênero cômico no qual o escritor paraibano vem obtendo tanto êxito ao longo dos anos. Com apenas sete personagens e diálogos em geral concisos, Suassuna desenvolve uma história que mantém o leitor em permanente suspense, ansioso para descobrir como aquilo tudo terminará. O cenário também é resumido, não passando, na verdade, de uma única sala. A peça foi montada pela primeira vez no Teatro Dulcina, no Rio, em 1958, sob a direção do grande Ziembinski, que também atuou, e tendo no elenco Cacilda Becker. Foi um batismo de luxo.

Em virtude de divergências políticas às vésperas da Revolução de 1930, o pai de Suassuna foi assassinado, o que obrigou sua mãe, por questão de segurança, a mudar-se com os filhos para o alto sertão da Paraíba. E lá o futuro escritor conviveu com a realidade sertaneja, seu modo de vida, linguagem e valores, formando aquilo que ele chamaria o “mundo mítico” que desaguaria em obras de tanto apelo público e aclamação crítica. “Não só as histórias e casos narrados e cantados em prosa e verso foram aproveitados como suporte na plasmação de suas peças, poemas e romances. Também as próprias formas da narrativa oral e da poesia sertaneja foram assimiladas e reelaboradas por ele” – escreveu com precisão o crítico José Laurenio de Melo. Formado em Direito e Filosofia, Suassuna se integrou ao movimento cultural e aprimorou sua arte, escrevendo, experimentando e estudando. Embora pintando o ambiente sertanejo, jamais perdeu de vista os clássicos portugueses e espanhóis com os quais se familiarizou. Lope de Vega, Calderón de la Barca e Gil Vicente muito o influenciaram.

Na peça aqui comentada, a impressão inicial é de uma imensa confusão. Na verdade, porém, tudo não passa de minuciosa armação para obter, ao mesmo tempo, diversas vantagens para quase todos os personagens, exceto para Euricão Arábe ou Engole-Cobra, merecidamente punido por sua usura. No correr dos diálogos o autor estabelece uma teia de mal entendidos, meias palavras e interpretações equivocadas que parecem resultar numa trapalhada insolúvel. Mas, na verdade, não é isso que acontece e no final tudo se encaixa com perfeição nos respectivos lugares. A personagem Caroba é a grande artífice desse monumental imbróglio. Tudo é sempre revestido do melhor humor e a confusão entre as porcas (assada e cofre) perdura ao longo de toda a peça. Todo o texto revela a extraordinária imaginação do autor e sua aguda percepção psicológica .

Em curiosa introdução ao texto, Suassuna comenta, intrigado, as apreciações dos leitores/espectadores. Julga “misterioso, terrível e perturbador” que a mesma obra, às vezes, seja aceita pelo público e rejeitada pela crítica ou, ao contrário, aclamada por esta e desprezada por aquele. “Às vezes ambos se juntam, a favor ou contra. Às vezes, depois de um julgamento que parecia definitivo, ambos se arrependem. Na maioria dos casos, porém, tanto o público como a crítica se dividem” – considera ele, julgando tudo isso incompreensível, impenetrável. É que a obra literária, independente da vontade de seu autor, ganha vida própria e passa a cumprir seu próprio destino. Passa a integrar o universo de inúmeros leitores/espectadores, contando com a simpatia ou a antipatia de cada um. Por tudo isso, já advertia célebre pensador, escrever para o público é comprometedor ao extremo.



(
06
de dezembro/2013)
CooJornal nº 869



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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