22/11/2013
Ano 17 - Número 867

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

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Enéas Athanázio



O ESPÍRITO DO LUGAR

 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Viajar e escrever são continuidades, afirmou alguém. Para bem viajar, ensinam os grandes andarilhos, é indispensável estudar a respeito do destino para bem aproveitar a jornada. E depois prestar atenção porque o distraído nunca será bom caminhante e muitas coisas lhe passarão despercebidas. Segundo os jornalistas Ruy Castro e Heloisa Seixas, em seu curioso livro “Terramarear – Peripécias de dois turistas culturais”, publicado pela Companhia das Letras (S. Paulo – 2011), quando viajam procuram “o espírito do lugar” e para isso leem sobre ele, escutam suas músicas, informam-se de sua história e assistem a filmes sobre a região que irão visitar. “Chegando lá, são capazes de traçar roteiros originais” que depois registram em belas crônicas para compartilhar com seus leitores. E com tal método, registraram neste volume, em deliciosas crônicas, suas andanças por Veneza, Berlim, Saint-Tropez, Madri, Barcelona, Havana, Pompeia, Roma, Nova York, Paris, Moscou, Lisboa etc., não faltando o Rio de Janeiro e até algumas jornadas imaginárias. Como não é possível comentar todas elas, abordarei apenas as três que mais me agradaram como uma amostragem ao eventual leitor do livro.

A primeira escala foi em Rapallo, na Riviera Italiana. E lá os viajantes foram dar ao Hotel Itália, o mesmo em que havia morado o poeta americano Ezra Pound (1885/1972) em seu exílio voluntário antes e durante a II Guerra Mundial. Fascista assumido, adepto do trio Hitler-Mussolini-Franco, ele fizera programas de rádio e outras manifestações contrárias aos Aliados. Foi preso e condenado à morte por traição, pena mais tarde comutada e da qual acabou se livrando depois de doze anos de internamento em um manicômio. Foi nesse hotel que ele escreveu parte de seus “Cantos”, ponto alto de sua poesia, “o que por si só já bastaria para tornar aquela cidadezinha um point da literatura mundial”, como escreveu Heloisa Seixas. Nada havia no hotel de extraordinário ou que indicasse sua relação com o poeta. Mas, indagando de uma mulher que lá se encontrava, ela os convidou a acompanhá-la e os conduziu através de um corredor estreito e escuro até uma pesada porta trancada a chave. Aberta a porta, a grande surpresa: “Três das quatro paredes estavam forradas, do chão ao teto, de fotografias de Ezra Pound – no hotel, no jardim, com e sem livros na mão, barba em ponta, de capa e chapelão, nos mais diversos ambientes e poses, ao lado de várias pessoas” (p. 73). Entre as figuras das fotos, um homem estava sempre presente, o pai da mulher que os guiara, grande amigo do poeta. Embora decorridos tantos anos, aquele quarto parecia um santuário para reverenciar a memória do poeta. Enquanto milhares de hóspedes por lá transitaram, - figurões, ricaços, poderosos, - e foram esquecidos, Pound continua presente graças à força de sua poesia.

O segundo estágio a destacar foi em Havana. Ali Ruy Castro seguiu as pegadas do escritor americano Ernest Hemingway (1899/1961) nos bons tempos em que viveu na Finca Vigia, antes de seu regresso aos Estados Unidos e dos horrores que o levaram ao suicídio. Percorreu os locais frequentados pelo escritor e nos quais é reverenciado, ainda que não se refira ao Hotel Ambos Mundos, onde ele viveu por algum tempo e cujo quarto, segundo dizem, é mantido tal como o deixou. É evidente a má vontade de Ruy Castro para com o autor de “O Velho e o Mar”, o que retira da crônica muito de sua credibilidade. Mas o “Velho Hem” é como certas massas, quanto mais se bate mais elas crescem. Não é por acaso que Hemingway ocupa posição de destaque no guia “501 Escritores”, publicação de renome mundial, em sua mais recente edição. E que, de quebra, tenha recebido o Prêmio Nobel.

Por último, destaco a excursão de Heloisa Seixas a Fernando de Noronha. Ela me fez reviver a minha própria, ao relatar a caminhada até a Praia do Sancho, descendo pela fenda na rocha em escadas enferrujadas, andando um trecho dentro dela, e depois enfrentando a interminável escadaria de pedras. É um desafio para poucos. Narrei essa aventura inesquecível num especial publicado pelo jornal “Página 3” no ano passado.

Está aí um livro para quem gosta de vida, aventura e movimento sem perder de vista o lado cultural. É leitura para aqueles que sabem viajar.



(
22 de novembro/2013)
CooJornal nº 867



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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