11/10/2013
Ano 17 - Número 861

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

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Enéas Athanázio



NUM LUGAR MUITO LONGE


 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

O escritor americano Ernest Hemingway (1899/1961) alimentava duas grandes paixões – escrever e viajar. Para ele, viagens e escritos não passavam de continuidades. Como dizia um amigo, além do ímpeto escrevinhatório, ele tinha o ímpeto deambulatório. Deve ser por isso que sua obra está repleta de viagens, estradas, movimento, ação. Exemplo recente é o romance “Casados com Paris”, de Paula McLain (Editora Nova Fronteira – Rio – 2011), em que a autora reconstitui os anos vividos pelo escritor na capital francesa em companhia da primeira esposa, Hadley Richardson.

Mesmo sendo obra de ficção, o livro se baseia em fatos reais e documentados, de sorte que tem muito de biográfico. A narrativa é feita pela esposa e os acontecimentos refletem a visão dela, mas fica nítida a permanente inquietação do escritor na busca do lugar ideal, aquele que seria o seu e onde fincaria raízes. Um lugar muito longe, talvez inexistente, e que nunca encontrou, fosse nos Estados Unidos, no Canadá, na França, na Espanha, na Itália, na Suíça, na Áustria, no Quênia, em Cuba ou em mil outros destinos por onde andou. Mas onde estivesse, no inverno ou no verão, por pouco ou muito tempo, jamais deixava de escrever. Enfurnava-se em algum quarto e ali trabalhava com grande afinco por horas a fio, enchendo páginas sem conta de cadernos de capa grossa, depois revistos, reescritos, podados e revisados à exaustão até que ele os considerasse prontos. O livro revela como foi difícil e trabalhosa a redação do primeiro romance, aquele que lhe abriu as portas do sucesso e da fortuna – “O sol também se levanta.”

Esse permanente caminhar, concluem seus biógrafos, seria a ânsia de libertação das garras de uma mãe dominadora, “sempre pronta a criticar e cheia de ideias inflexíveis quanto a como deve ser a vida, até os mínimos detalhes.” Segundo a autora, ele considerava a mãe “mulher egoísta, atenta às suas próprias necessidades a ponto de se arriscar a destruir qualquer um à sua volta, sobretudo o marido. Ela obrigava o Dr. Hemingway (médico e pai do escritor) a ceder a todas suas exigências, e presenciar aquilo fez com que Ernest a desprezasse” (p. 48). É provável que a teoria esteja correta, uma vez que o marido acabou se suicidando. Como o filho também faria muitos anos mais tarde. Por maior que fosse o sucesso do filho, a mãe nunca aprovou a sua obra. A apresentação da noiva à mãe, diz a autora, foi traumática. Por tudo isso, quando o novo casal embarcou no navio “Leopoldina”, com destino à Europa, no dia 8 de abril de 1921, foi como uma declaração de independência, um grito de liberdade. Como tantos outros americanos expatriados, o escritor sentia imenso alívio por deixar o ambiente medíocre do meio-oeste americano.

Os primeiros tempos em Paris são de pobreza e privações. Vivem em bairros afastados, sem o menor conforto. Exagerando a situação, afirma ele que apanhava pombos no parque, torcia-lhes o pescoço e escondia no carrinho do bebê, o filho Bumpy, para comê-los em casa. É o período do aprendizado, batalhando por horas e horas, dias inteiros, com as palavras, até que elas se coloquem no papel como ele quer. Tem início a criação de um estilo personalíssimo, único e inimitável. Um estilo enxuto, seco, quase telegráfico mas, acima de tudo verdadeiro. “Se eu puder escrever uma frase simples e verdadeira por dia ficarei satisfeito” – afirmava ele (p. 91). Nascia então o que seria chamado de estilo Hemingway e que o levaria a ser o mais importante escritor americano de sua geração. Por outro lado, foi também nesse período que conheceu as grandes figuras daquela que Gertrude Stein classificou como a geração perdida.

Tempos duros pareciam funcionar como estímulo para Hemingway. “Ele sempre escrevera melhor em tempos difíceis, como se a dor o ajudasse a chegar ao fundo de alguma coisa dentro dele e fizesse funcionar as máquinas certas” – depunha a esposa (p. 278).

E assim, superando obstáculos e dificuldades, é publicado “O sol também se levanta”, dedicado à primeira esposa, Hadley”, e ao filho John Hadley Nicanor Hemingway, o Bumpy. O romance consagra o estilo Hemingway e tem no diálogo um recurso que marcará toda sua obra de ficção. Como se esperava, o sucesso foi imediato e deu início a uma das mais brilhantes carreiras da moderna literatura.


(
11 de outubro/2013)
CooJornal nº 861



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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