30/08/2013
Ano 16 - Número 855

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



UMA BIOGRAFIA POSSÍVEL

 

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

A leitura do livro de Denis Avey (*), aqui comentado, e de outras referências encontradas (**), permitem estabelecer os traços básicos de uma figura sinistra da II Guerra Mundial. Ainda que seja uma construção fictícia, é coerente com as informações existentes e que não são muitas, talvez porque seja uma figura considerada secundária no panorama de barbárie que foi a chamada solução final intentada pelos nazistas. Refiro-me à guarda alemã de nome Irma Grese, que serviu nos campos de Auschwitz e Birkenau e que acabou executada pelos aliados em 1945.

Sobre ela, assim escreveu Avey no volume acima referido: “Aquela não foi a única guarda feminina que vi. Alguém apontou uma mulher de uniforme muito bem talhado, numa festa, passeando pelo local. Sua expressão dura desfigurava um rosto jovem. Ouvi dizer que ela era Irma Grese, notória supervisora do campo de extermínio de Birkenau, que ficava do outro lado da cidade. Seus atos de sadismo levaram a sua execução em dezembro de 1945” (p. 129). Sempre trajada com apuro, calçando botas reluzentes, mantinha-se bem maquiada em qualquer ocasião, mesmo nos momentos em que praticava os mais nefandos atos repressivos. Não fosse o rictus de maldade de suas faces, poderia ter sido uma mulher bonita.

Criada numa família de exacerbado ódio aos judeus, o antissemitismo se alojou nas profundezas de sua alma. Por volta dos dez anos, rompeu com a melhor amiguinha ao saber que ela tinha sangue judaico. Desde muito cedo aplaudia com fervor todas as medidas que foram sendo tomadas contra os judeus. E quando sentou praça na guarda prisional encontrou campo fértil para a prática de atrocidades indescritíveis. Parecia sentir inusitado prazer nos maus tratos que infligia em prisioneiros semimortos, esqueléticos e famintos. Mesmo em tais ocasiões, no entanto, mantinha a postura, conservava a farda impecável e o sadismo estampado nas faces se amainava por trás da pesada maquiagem. Só os olhos fuzilavam de ódio e prazer doentio.

Assistiu impassível à monstruosidade praticada por uma colega de farda e que Avey assim descreveu: “Vi um prisioneiro judeu vasculhando uma lata de lixo em busca de alguma coisa para comer ou trocar, verduras estragadas, guimbas de cigarros ou pedaços de fio... Não houve tempo para adverti-lo. Ele não tinha visto a guarda feminina de uniforme, uma das únicas naquele lugar, até que ela chegou por trás dele. Ela o derrubou no chão com um só golpe e ficou sobre o corpo dele com uma perna de cada lado. Não demorou muito. Com as mãos enluvadas, ela apanhou uma grande pedra, levantou-a sobre a cabeça e esmagou o crânio dele” (p. 129). Notem o detalhe: mesmo praticando o barbarismo, tinha as mãos enluvadas.

Outro fato teve enorme repercussão entre os presos e, com toda certeza, chegou ao conhecimento dela. Os soviéticos se aproximavam de Auschwitz, o tiroteio podia ser ouvido, e era imperioso destruir os indícios do que ali acontecera. Todos os prisioneiros, judeus ou não, são postos em fila para a desvairada marcha através da Europa em busca de outros campos. Sem agasalhos, debaixo da neve, sem comida, muitos sem calçados. Uma mulher carregava um bebê que chorava, um guarda da SS reclamou e exigiu que ela fizesse a criança silenciar. Mas ela continuou a chorar, talvez com fome ou frio. “Ele (o guarda) andou mais alguns passos, voltou, retornando ao ponto em que a mulher se encontrava, e socou o bebê com toda a força no rosto. Tudo silenciou... Quase vomitei de nojo e de raiva. Mesmo àquela distância, percebi que a criança tinha sido assassinada” (p. 166).

E a marcha prosseguiu.

Como tudo no mundo, a guerra terminou. Contrariando o que jamais imaginavam, os nazistas foram derrotados. Irma Grese foi presa, julgada e condenada à morte na forca. Ao encarar o cadafalso, vestia-se de maneira impecável, mantinha a mesma postura arrogante e estava bem maquiada. Os olhos reluziam de ódio e maldade.
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(*) “O homem que venceu Auschwitz”, de Denis Avey e Rob Broomby, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2011;
(**) “O processo de Nuremberg”, Heydecker & Leeb, Rio de Janeiro, Editorial Bruguera, 1968, e fontes jornalísticas diversas.



(30 de agosto/2013)
CooJornal nº 855



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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