10/05/2013
Ano 16 - Número 839

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



QUEM TEM MEDO DELE?

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Logo que cheguei em Balneário Camboriú aconteceu um encontro de escritores promovido pelo Colégio Margirus. Vieram colegas de ofício de Florianópolis, Joinville, Blumenau, Jaraguá do Sul e Itajaí, entre eles o crítico Celestino Sachet, o romancista Adolfo Boos Jr. e o poeta Lindolf Bell. Iniciando o evento, - não sei o motivo, - fui escolhido para falar em nome da cidade, saudando os visitantes. No final, depois de tudo encerrado, fui entrevistado por uma jornalista ativa e hábil. Tratava-se de uma galega com ar esportivo e cabelos esvoaçantes, segura nas perguntas e ligeira de raciocínio.

Dias depois, fui visitado por uma senhora argentina, muito simpática, que angariava assinaturas para o jornal “Página 3.” Ela me confidenciou então que a galega em questão era nada mais nada menos que a dona do jornal – Marlise. A informação acendeu uma luzinha na minha cabeça: Quem sabe ela aceitaria alguma colaboração minha? Pelo sim pelo não, armei a cara, apanhei alguns originais de contos, crônicas e artigos e fui à redação. Na pior das hipóteses levaria um carão. Mas isso não aconteceu, ela me recebeu muito bem e meus trabalhos começaram a aparecer nas páginas do jornal.

Numa das visitas à redação, no entanto, algo de novo aconteceu. Sentado num canto, diante de um computador, avistei alguém que eu desconhecia. Barbudo e cabeludo, ele me pareceu hirsuto, cerdoso, peludo, com as faces e a cabeça aureoladas por bastos fios que indicavam ser renitentes à brilhantina, ao gumex e à glostora (*), quiçá impenetráveis até mesmo ao pente e à escova. Por associação, veio-me à memória o panorama da caatinga nordestina com seus mandacarus, xique-xiques, palmas e juás espinhentos. Eu o observei, ressabiado e de longe, enquanto dois olhos muito vivos me fuzilavam através daquela floresta capilosa e densa.

Não tive coragem e perguntar de quem se tratava.

Voltando para casa, caminhando em silêncio pela urbe, fui trocando ideias com meus inocentes botões. Seria o enigmático personagem um sujeito casmurro, mal humorado, ou lá estaria para afugentar os chatos que costumam perturbar a boa paz das redações? Ruminei, ruminei, aventei outras tantas hipóteses. Poderia ser adepto das amarguras do tipo jiló, berinjela crua ou chá de aloés... Apreciador de pratos apimentados, ardidos ou azedos, talvez. Tudo parecia possível, mas não cheguei a conclusão alguma.

Nas visitas seguintes, mais ressabiado ainda, já entrei olhando para o canto onde se entrincheirava o barbaças. Para minha surpresa, no entanto, ele se apresentou como o outro dono do jornal e conversamos bastante; Não tardou muito para que me convidassem a assinar uma coluna, coisa que estou fazendo há 17 anos. Do meio daquela chusma inóspita de pelos rebeldes saía uma voz ainda jovem que revelava uma pessoa bem informada e boa de papo. Nem preciso dizer que se tratava de Waldemar, esse jornalista valente e combativo que todos conhecem e cujo nome mais e mais se alastra. Desde então ele já vinha colocando o dedo na moleira para desconforto de alguns e satisfação de muitos.

No correr de quase duas décadas, a pelagem se tornou algo grisalha, as cãs branquearam as costeletas, os cabelos hirsutos rarearam, ainda que prossigam na velha e indomável rebeldia. Tornamo-nos amigos, embora sem a convivência que seria desejável, e aprendi a respeitá-lo como o profissional que é. No entanto, mesmo que eu não seja dos melhores inimigos, não gostaria, de forma alguma, de tê-lo entre meus desafetos!


(*) Antigos produtos para assentar cabelos rebeldes.
Nota: Marlise e Waldemar Cezar, jornalistas, são os proprietários
do “Página 3”, o mais lido e influente jornal do Litoral Norte catarinense.


(10 de maio/2013)
CooJornal nº 839



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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