05/04/2013
Ano 16 - Número 834

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Follow RevistaRIOTOTAL on Twitter

Enéas Athanázio



 VARIADAS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

É mais agradável escrever sobre livros e arte literária, temas que elevam o ser humano e aperfeiçoam o seu espírito. Infelizmente, porém, certos fatos registrados em nosso cotidiano não podem ser ignorados. Recentes matérias publicadas em jornais informam que as autoridades policiais e judiciárias do Chile voltaram a investigar as condições em que ocorreu a morte do poeta Pablo Neruda (1904/1973), prêmio Nobel de 1971 e um dos escritores mais lidos e populares do mundo. Seus livros “Canto Geral” e “Confesso que Vivi” continuam encantando sucessivas gerações.

Segundo testemunhas idôneas, ele ingressou no hospital em boas condições de saúde, lúcido e disposto, tendo falecido três dias mais tarde, após tomar uma injeção identificada de modo genérico como calmante. Indícios indicam que foi assassinado logo no início da sangrenta ditadura implantada por Augusto Pinochet, de quem era adversário declarado. Matilde Urrutia, viúva do poeta, afirmou sempre, até seu falecimento, em 1985, que ele fora assassinado. Sua voz não foi ouvida e nada se fez para apurar os fatos.

Agora, porém, surge o livro “Sombras Sobre Isla Negra” (a casa dele), de autoria do jornalista espanhol Mario Amorós, abordando com minúcias os acontecimentos e apontando as provas que conduzem a essa conclusão. Com base nele foi intentado um pedido para exumação dos restos mortais do poeta para exame pericial. O pedido foi deferido pelo juiz Mario Carroza e o procedimento deverá se realizado em breve. Os resultados são aguardados com grande interesse e prometem muitas discussões sobre o assunto. Embora Neruda sofresse de um câncer na próstata, estava em boas condições e muito longe de um estado terminal. A moléstia estava sob controle, segundo os médicos. Temerosas da repressão, muitas testemunhas deixaram de se manifestar e até mesmo a Fundação Neruda se desinteressou do caso. As providências judiciais poderão lançar novas luzes sobre o assunto, apesar do tempo decorrido, que sempre dificulta a colheita de provas. Seja como for, algo está sendo feito e os culpados poderão ser desmascarados perante a história.

É do conhecimento público o que aconteceu no sepultamento do poeta. O local foi cercado por um rígido aparato militar, armado até os dentes, exigindo total silêncio dos presentes e apressando para que tudo fosse realizado com a maior brevidade. Pareciam temer que o poeta morto levantasse de seu caixão e, com sua conhecida voz, declamasse algum poema que pudesse derrubar a ditadura recém-instalada naquele país. O relato desses fatos chocou os leitores do poeta e causou consternação nos meios culturais de todo o mundo. E ficou registrado para sempre, em jornais, revistas e livros, como uma das mais mesquinhas atitudes totalitárias.

Enquanto isso, aqui no Brasil, noticiam os jornais que a Assembleia Legislativa de São Paulo está prestes a aprovar uma lei que cerceia e limita os poderes dos Promotores de Justiça para intentar ações de improbidade administrativa e outras do gênero. Segundo analistas, seria uma revanche dos deputados contra o Ministério Público por terem perdido o auxílio-moradia que recebiam em virtude de uma ação movida por ele. É inacreditável, porém verdadeiro. Mas essa não é a primeira tentativa de amarrar as mãos do Ministério Público; elas são cíclicas e vêm se repetindo desde que ingressei na Instituição, há mais de 40 anos, e até mesmo antes. Um Ministério Público livre e robusto incomoda, em especial àqueles que têm o que temer, por isso é necessário amarrar suas mãos e fazê-lo calar. Lembro-me que certa lei estadual proibiu os Promotores de concederem entrevistas à imprensa sem autorização do Procurador-Geral. Deveriam engolir em silêncio as mais absurdas críticas, sem tugir nem mugir. O exemplo paulista seria péssimo; outros Estados logo seguiriam pela mesma trilha e em breve o Congresso Nacional se sentiria à vontade para fazer o mesmo. Aliás, o governador paulista já deu péssimo exemplo ao nomear para Procurador-Geral um candidato que não foi o mais votado, ignorando a livre manifestação da classe através das urnas.

Notícias como essa me dão a vívida impressão de que o Brasil vive em círculos. Mal damos um passo à frente e já surgem iniciativas para voltar atrás. E assim jamais teremos instituições fortes e consolidadas, capazes de dar ao país o que ele necessita. É melancólico.

No último dia 8 de março esta coluna completou 17 anos, tendo iniciado em 1996.



(05 de abril/2013)
CooJornal nº 834



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


Direitos Reservados