01/02/2013
Ano 16 - Número 825

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



O FUNDADOR

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

A leitura de ensaio de Artemio Zanon a respeito de Tito Carvalho me leva a escrever algumas notas sobre esse escritor catarinense que anda esquecido, como tantos outros, a despeito de sua importância na literatura de nosso Estado (*). Talvez sirva para despertar o interesse de alguns leitores pela sua obra.

Tito (Lívio) Carvalho (1896/1965) nasceu em Orleans e faleceu em Florianópolis na época em que exercia a direção da Biblioteca Pública do Estado. Advogado e jornalista profissional, exerceu grande atividade, tanto em Santa Catarina como no Rio de Janeiro, tendo ocupado várias funções públicas. Contista, cronista, romancista e articulista, publicou os livros “Bulha d’Arroio” (contos – 1939) e “Vida Salobra” (romance – 1963). “Gente do meu caminho”, coletânea de crônicas, foi publicada em edição póstuma em 1997. Muitos textos de sua lavra devem ter ficado espalhados em páginas de jornais e revistas, nunca recolhidos em volumes.

Tito Carvalho foi o introdutor do regionalismo campeiro em nosso Estado, por isso tido, com justa razão, como o Fundador dessa escola em terras catarinenses. Foi ele quem desvendou, de forma pioneira, a vida e o homem do campo, provocando na época previsível reação, em especial da parte dos puristas da linguagem. Mostrou em seus contos e no único romance os nossos Campos Gerais com sua geografia, paisagem, clima, usos e costumes, valores morais e formação psicológica do povo e, acima de tudo, sua linguagem típica, ao mesmo tempo conservadora e criativa. Revelou aos leitores um mundo diferente, às vezes rude e simples, mas autêntico e sincero. E com isso abriu os caminhos para os regionalistas que vieram depois, formando uma extensa corrente.

Em seus contos predominam a tragédia e a violência, às vezes bárbara, enquadrando-se como “pesados”, conforme a conhecida divisão de Monteiro Lobato para distingui-los dos “leves.” Quase não há lugar para o humor, a ternura, o romance. Esmerou-se no uso do linguajar típico serrano, sendo evidente – pelo menos nesse aspecto – a influência de Simões Lopes Neto. É inegável a sua força de ficcionista, agudo senso de observação, memória viva e imaginação criadora. É interessante notar que produziu a maior parte de sua obra antes da exploração intensiva do pinheiro e das modificações por ela introduzidas na região. Eram tempos sem estradas e comunicações, com as tropas conduzidas a pé e as cargas em lombo de burros ou carretas de tração animal. Cidades estanques e isoladas, com energia elétrica precária, imprensa incipiente, vida dolente e vagarosa. Os regionalistas posteriores, escrevendo em outras épocas, foram absorvendo em sua ficção as transformações sofridas pelos Gerais.

É curioso notar que, em 1923, dezesseis anos antes da publicação de seu primeiro livro, ele declarou “estar deixando o regionalismo.” Essa intempestiva declaração é, para mim, um enigma indecifrável. Estaria ele cedendo ao preconceito existente contra o regionalismo? Ou procurava conciliar-se com o severo mundo acadêmico? Não creio que fosse isso, uma vez que o escritor não era de se atemorizar à toa, mas não deixa de ser irônico que sua sobrevivência literária se deva justamente à parte regionalista de sua obra, logo aquela com a qual rompia de modo formal. Creio que nem de longe ele poderia imaginar que sua iniciativa derivou na mais fecunda corrente literária catarinense, a única que se configurou como uma escola.

Apesar de sua importância, Tito Carvalho mereceu exígua fortuna crítica, como costuma acontecer aqui entre nós, onde a carência de críticos vem de longe. Por tudo isso, o ensaio de Zanon merece leitura e justifica o interesse despertado por meu opúsculo “O regionalismo passado a limpo”, publicado em 1999.
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(*) “Setenta anos de Bulha d’Arroio”, de Tito Carvalho”, in “Sinfonia Poética e Prosa”, antologia da Academia São José de Letras, Florianópolis, Nova Letra/Secco, 2010, pág. 237.



(01 de fevereiro/2013)
CooJornal nº 825



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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