18/01/2013
Ano 16 - Número 823

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



ALEGRIAS E TRISTEZAS QUE SE CRUZAM

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Sob muitos aspectos o novo romance de Arine de Mello Jr., “A Menina das Flores” (LP-Books, S. Paulo, 2012) surpreende o leitor com o inesperado. A narrativa começa e termina em velórios, ainda que não seja um relato fúnebre e contenha momentos de plena alegria e felicidade no correr de suas páginas. Aliás, talvez por isso mesmo, é uma obra difícil de definir, tão variadas e diversas são as veredas percorridas pelo texto. Ora se imagina que vai seguir o caminho do surreal ou do fantástico, mas num repente toma o rumo do psicológico ou abraça a trama policial. Em muitas passagens o autor se debruça sobre a paisagem social e faz observações curiosas, típicas do escritor atento e com olhos bem abertos para a realidade que nos cerca. “Naquele cemitério, - escreve ele logo de começo – como em nenhum outro local, notava-se a diferença social... Só o túmulo da Menina das Flores destacava-se dos demais. Com apenas uma pequena fotografia desbotada pelo tempo, era enfeitado de flores de todas as cores... Sem nome, sem datas e sem velas, os ramos floridos curvavam-se sobre o abandono, enfeitando-o de vida...” (p. 10). Para completar, acentuando o clima lúgubre, “nas demais ruelas (do cemitério), pessoas cruzavam tristezas de um lado para outro.”

Mas o momento amargo passa, como tudo na vida, e entra em cena a personagem central, Leontina, cujos diálogos com o cão Alfredo são longos e frequentes, desenvolvidos no mesmo plano do real dos demais acontecimentos. E nesse aspecto o autor se revela hábil porque domina com perfeição a difícil técnica do diálogo, que teve em Hemingway um mestre sem igual e que hoje se encontra em visível decadência. Os diálogos entre a mulher e o animal de estimação são bem construídos, lógicos e concatenados. Como bem acentuou o crítico Caio Porfírio Carneiro, em seu prefácio, a construção de quase todo o romance em forma de diálogos lhe confere uma originalidade rara e merecedora de destaque (p. 7).

A personagem Leontina encanta e perturba o leitor. Ainda que psicótica e com sérios problemas dessa natureza, é uma mulher linda e elegante, invejada na cidade de Boa Esperança do Leste e desejada pelos homens. Figura que se destaca sem esforço e com naturalidade da mediocridade dominante. E se isso não bastasse, possuía imensa fortuna: usinas de açúcar a muitas outras propriedades. Econômica nas palavras, prestava serviços voluntários e... abominava as fofocas e futilidades. Um ser deveras singular, silencioso, distante, inefável. Ela tem visões, crises, altos e baixos de alegrias e tristezas. E no correr da vida se depara com crimes que perturbam uma existência que tudo teria para ser plácida e feliz. Não obstante, sabe amar e ama com sofreguidão o delegado que cruza seu caminho e parece suspeitar dela. Por tudo isso, é com pesar que o leitor se depara com a morte da personagem, tomado pelo impulso de pedir ao autor que a poupe. Mas ao resenhista compete comentar o livro tal qual é e não como desejaria que fosse.

O romance, porém, não se esgota aí. Há também uma extensa e complexa trama policial reveladora da criatividade do autor. No entanto, depois das marchas e contramarchas próprias dos feitos judiciais, sem defesa que pudesse salvá-lo, o tal Perigosão foi denunciado como autor de tríplice homicídio e Leontina isenta de qualquer responsabilidade criminal. Assim, as pesadas suspeitas que pairavam no ar da cidade se desfizeram e Leontina passa por um longo período de paz, conversando com seus cães (agora um casal) e “não teve novas crises mentais como as que a derrubavam por horas e, às vezes, dias” (p. 249). Enfim, quando tudo apontava para uma vida feliz e tranquila, sobrevém o inesperado, tão recorrente no romance, colhendo o leitor em mais uma surpresa.

Concluindo, diria que este é um livro para ler devagarinho, absorvendo com calma e atenção um texto trabalhado e repleto de imaginação.

Arine de Mello Jr., é hoje, sem favor, uma das maiores expressões das letras do centro-oeste nacional.
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Contatos com o Autor comentado: Caixa Postal 150
79900-000 – PONTA PORÃ - MS



(18 de janeiro/2013)
CooJornal nº 823



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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